A galeria paulistana Almeida & Dale apresenta uma exposição e um belíssimo livro resgatando a obra do artista Hélio Melo. Foram quatro anos de pesquisa intensa para reconstruir seu histórico e localizar suas obras.

Seringueiro, ativista, músico, contador de histórias, compositor, roteirista, desenhista e pintor, Hélio foi autodidata em tudo.

Nascido em 1925 na divisa do Amazonas com o Acre, de avós cearenses, o futuro pintor viveu 33 anos como seringueiro na floresta amazônica até se mudar para Rio Branco.

Parou de estudar aos 12 anos, quando foi trabalhar com índios e seringueiros no corte da seringa. Sua mãe gostava de desenhar, o que inspirou Hélio ainda criança a pintar com os materiais que tinha à mão, improvisando e inovando na criação de tintas e uso de suportes. Aos 18, começou a tocar sozinho violão, passando depois para o violino, sua maior paixão.

Mudou para Rio Branco em 1959 e foi trabalhar como catraieiro, transportando pessoas de uma margem à outra do rio. Como a concorrência entre os barcos era grande, para atrair clientes criou um jornal com suas histórias e desenhos para que as pessoas pudessem ler durante a travessia (era obcecado por notícias). O sucesso foi tanto que não só desbancou os concorrentes como foi reconhecido por seu talento artístico.

Com o declínio da borracha, a política desenvolvimentista do governo nos anos 70 estimulou grandes projetos madeireiros e agropecuários, gerando o começo do desmatamento na região.

“Meu desenho traz uma mensagem, é uma denúncia da derrubada da floresta,” dizia Hélio, que era visto mais como ativista do que artista naquela época.

Apesar da aparente simplicidade dos desenhos que retratavam a vida dos seringueiros, ele dominava complexos recursos pictóricos e iconográficos, disse Jacopo Visconti, o curador da exposição. O que importa em sua obra está além da superfície: a grande protagonista é a floresta.

Com a construção de uma ponte em Rio Branco, o trabalho de 11 anos como catraieiro chegou ao fim e Hélio foi ser vigia de um prédio. Nesse período, pôde se dedicar ao desenho, pintando com pigmentos feitos a partir do açaí, urucum, casca de melancia, melão e pigmentos de folhas de árvores, que ele misturava com nanquim para garantir durabilidade.

A dedicação às artes o levou a se inscrever num curso de desenho da Secretaria de Cultura local, mas, ao ver seus trabalhos, o professor declarou que Hélio não tinha nada a aprender e o convidou para uma exposição coletiva, o pontapé inicial para sua carreira como artista.

Em 1980, fez uma exposição no Rio, vendida quase toda para o escultor carioca Sérgio Camargo. “Havia nos desenhos uma sensibilidade intuitiva tão bem calculada para captar a luminosidade que superava a iconografia,” o escultor disse ao Jornal do Brasil na época.

A partir daí, Hélio passou a integrar o circuito de artistas regionais. Suas obras circularam pelo Brasil e no exterior, incluindo exposições em Paris e no Smithsonian, em 1988, na mostra Tropical Rainforests: A Disappearing Treasure.

A floresta de Helio encantava por ser mítica e fabulosa, com alegorias e personagens fantásticos, como o homem-burro, e metamorfoses entre homens, animais e plantas. Apesar do sofrimento retratado, havia espaço para poesia e beleza.

Luigi Pieretti, um missionário italiano que morava em Rio Branco na época, ficou encantado com a pluralidade artística do ex-seringueiro. Organizou uma viagem para que o artista e ativista visitasse diversas cidades italianas e participasse de debates em universidades e centros católicos, além da exposição de suas pinturas e desenhos em Luca, Florença, Verona e Pisa.

Para a viagem, Hélio criou um conjunto de 19 desenhos intitulado Via Sacra, traçando um paralelo entre a Paixão de Cristo e o sofrimento dos seringueiros (mal remunerados, trabalhavam de pé 18 horas por dia, em longas caminhadas  na floresta que podiam chegar a mais de 20 km diários).

Os desenhos ficaram guardados em um envelope, esquecido na arquidiocese de Luca e encontrado 30 anos depois da sua execução. O conjunto de desenhos é um dos grandes destaques da mostra da Almeida & Dale, que vai até 22 de julho.

Com o sucesso nacional e internacional, o Governo criou, em meados dos anos 90, a sala Hélio Melo, anexa ao espaço público chamado a Casa do Seringueiro, com acervo para pesquisa e difusão da cultura seringueira. O artista passava o dia em sua sala, alegremente recebendo visitantes, contando histórias e tocando violino.

Depois de sua morte, seus desenhos foram destaque na 27ª Bienal de São Paulo, em 2006, curada por Lisette Lagnado (tendo Adriano Pedrosa como assistente) e ampliaram a notoriedade de Hélio, que passou a ser objeto de pesquisas, dissertações, filmes e documentários.

“Hélio Melo, é um destes raros gênios da arte brasileira, que por ter nascido em uma região periférica da Amazônia foi deixado às margens da História da Arte, talvez pela distâncias dos grandes centros ou por seu estilo considerado por alguns como “naïf”. Entre sutis denúncias políticas da vida do seringueiro, o desgaste ambiental causado pelo extrativismo, alternados por suas criaturas fantásticas, o mistério e o folclore amazônico são representados de forma intrigante nos diversos verdes de um artista único,” João Paulo Siqueira Lopes, consultor de arte e fundador da Act, disse ao Brazil Journal.

Em meio aos eternos debates sobre desmatamento, exploração econômica na Amazônia e respeito aos direitos dos povos indígenas, o trabalho de Hélio Melo se mantém atual e relevante.