ROMA  — Loira, pequenina, dona de voz potente e uma excelente oratória, a deputada Giorgia Meloni virou a personagem da vez na política italiana.
 
Aos 44 anos, a única mulher a liderar um partido no país viu sua popularidade dar um salto nos últimos dois anos, provocando ondas — ora de euforia, ora de alerta — dentro e fora da Itália.

A sigla que ela comanda, Irmãos da Itália, foi a única que se recusou a participar do governo de unidade nacional formado em fevereiro — um rearranjo feito no Parlamento, sem eleição — e encabeçado pelo primeiro-ministro Mario Draghi, o ex-presidente do Banco Central Europeu que, desde então, governa a Itália com boa aprovação popular e amplo apoio dos poderes políticos e econômicos.
 
11540 30470bc3 22ec 0aa2 1696 9472c9ab397bParadoxalmente, a líder da oposição foi a que proporcionalmente mais cresceu nas pesquisas desde o início do ano, chegando a 18% de preferência nos últimos levantamentos. Em 2019, quando seu partido conseguiu a primeira vaga no Parlamento Europeu, tinha apenas 6%.
 
Representante da direita nacionalista e populista em voga em muitos países, Meloni tem o apoio inclusive de antigos eleitores (operários e aposentados) do Partido Comunista Italiano. Na pandemia, ela virou crítica das restrições sanitárias como o toque de recolher, ainda em vigor na Itália.
 
Sua recém-publicada autobiografia “Io sono Giorgia – Le mie radici, le mie idee” (“Eu sou Giorgia — as minhas raízes, as minhas ideias”) se tornou o livro mais vendido do país no final de maio.

Seu crescimento está causando incômodo nos dois partidos mais tradicionais da direita italiana, ambos parte do governo Draghi: o Força Itália, de Silvio Berlusconi, mais liberal e europeísta, e a Liga, comandada pelo senador Matteo Salvini, que compartilha algumas das bandeiras de Meloni mas que desde o início da pandemia perdeu quase 10 pontos percentuais nas pesquisas. Quem abocanhou essa fatia foi exatamente a deputada.

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Refundado em 2014, o Irmãos da Itália descende diretamente do MSI (Movimento Social Italiano), o maior grupo neofascista da Europa na segunda metade do século XX. Foi no MSI que uma ainda adolescente Meloni começou sua militância. 

Nascida em Roma e criada num bairro operário, Meloni foi garçonete, babá e trabalhou ainda numa barraca de uma tradicional feira de rua da capital italiana. Ela ficou nacionalmente conhecida em 2008, quando Berlusconi a nomeou Ministra da Juventude: ela tinha 29 anos e foi a ministra mais jovem da Itália. 

Primeira nação do Ocidente atingida pelo coronavírus, a Itália vive seu momento mais delicado desde a Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando o país foi destruído. Os italianos terão a maior fatia no fundo europeu para a retomada econômica no pós-pandemia — cerca de € 221 bilhões, algo em torno de R$ 1,3 trilhão.
  
A aplicação desse fundo, que deverá ser feita ao longo desta década, explica a assunção de Draghi, um tecnocrata com bom trânsito na Europa, defensor do euro e suas instituições. Mas seu governo terá vida curta. 

Uma nova eleição está prevista para 2023, mas ninguém garante que a instável política italiana não possa antecipar o pleito, quem sabe, já para o ano que vem — e é nessa perspectiva que a figura de Meloni ganha mais atenção.

Apesar de disputarem o mesmo eleitorado e frequentemente trocarem cotoveladas pelos jornais, Meloni e Salvini poderiam se unir para governar a terceira economia do euro. Juntos, eles somam cerca de 42% nas pesquisas, o que tornaria viável a formação de um Executivo. (A The Economist recentemente notou a ironia de um provável governo populista-nacionalista, anti-euro, formado exatamente para tocar o plano da UE.) 

O programa do partido de Meloni é ainda mais à direita — e radical — que o da Liga de Salvini, que conta com o apoio de industriais do Norte italiano defensores do euro. A deputada quer um novo pacto social, rediscutindo todos os tratados da UE e impondo subsídios para a indústria local contra os vizinhos, o que fere os princípios do bloco.
 
Para ela, a UE quer anular a identidade de cada nação como fez a finada União Soviética. Defensora de um bloqueio naval para frear a imigração, a política critica a “invasão islâmica” na Europa e diz lutar para preservar a identidade cristã e a família tradicional — apesar de ter sido criada sem pai e não ser casada, tendo uma relação não-tradicional com o companheiro, pai de sua filha.

Meloni não esconde suas ambições. No mês passado, disse estar se preparando para “governar a nação”. A deputada tem um começo promissor, mas a máquina de triturar da política italiana já devorou inúmeras promessas nos últimos anos.