Uma especulação acionária inflada por nerds e investidores amadores por pouco não levou à lona alguns dos maiores hedge funds dos Estados Unidos.

A história, ocorrida na virada de 2020 para 2021, foi uma saga na qual “milhares de sardinhas levaram terror aos tubarões”, sintetizou Roberto Attuch Jr. em um artigo publicado à época no Brazil Journal

Agora, o caso é reconstruído em GameStop contra Wall Street, um documentário acelerado e repleto de memes na Netflix.  (Em inglês, aliás, o título do documentário reflete melhor a ira das sardinhas: Eat the Rich.)

Desafiados por peixinhos sem muito a perder, alguns grandes investidores que apostavam na queda das ações da GameStop foram encurralados em um dos maiores episódios de short squeeze de que se tem notícia.  

A rede americana de lojas de videogame enfrentava um cenário sombrio, com vendas em queda por causa do avanço de jogos online. Rumava para um destino semelhante ao da Blockbuster, liquidada pela Netflix e outros serviços de streaming.

A empresa era um alvo predileto de short sellers. Em dado momento, o equivalente a 140% das ações haviam sido vendidas a descoberto.

Mas num movimento que brotou em fóruns do Reddit e lives de influencers, pequenos investidores começaram a botar dinheiro nas ações da GameStop, então negociadas na bacia das almas.

Notícias de que a rede poderia virar o jogo nas mãos de um novo controlador foram uma das iscas que atraíram nerds, jovens especuladores e incendiários das redes sociais, que, sem trabalho na pandemia, não tinham muita coisa a fazer além de farejar na internet um modo de ganhar dinheiro.

Muita gente que nunca havia comprado uma ação sequer mergulhou na onda especulativa, sem prestar a menor atenção aos fundamentos da empresa. (“Fundamento? Que bicho é esse?”)

Esses neófitos descobriram no app da Robinhood, a corretora online sem custos que dizia “democratizar” a Bolsa, uma plataforma acessível e extremamente simples para fazer as suas apostas. Para muitos, era aposta mesmo, como no caso de um tiktoker que só entrou nessa porque os cassinos de Las Vegas estavam fechados.

Quanto mais a GameStop se valorizava, mais compradores eram fisgados. Na outra ponta, os short sellers precisavam comprar ações para cobrir suas perdas com a venda a descoberto. Os papéis subiam ainda mais.

A euforia alimentou a euforia, ainda mais depois que Elon Musk tuitou “Gamestonk!!!” em janeiro de 2021, linkando logo abaixo um post de um dos mais ativos promotores dos papéis, o perfil da comunidade Wall Street Bets, no Reddit.

Negociadas a US$ 1 em julho de 2020, as ações bateram US$ 120. Uma valorização de 11.900%.

Nisso, os hedge funds e investidores independentes com posições vendidas sangravam rios de dólares.

O squeeze foi um plot twist fenomenal. Virou de cabeça para baixo a lógica de qualquer análise fundamentalista, encurralando os short sellers que farejavam o lucro certeiro de empurrar ladeira abaixo uma empresa falimentar.

Foi o revide dos herdeiros do Occupy Wall Street, indignados com a socialização dos prejuízos da crise de 2008 – e na qual alguns hedge funds fizeram muito dinheiro.  

Mas, como em toda boa saga, a história, em seu ápice, teve um novo e dramático plot twist.

No dia 28 de janeiro, a Robinhood bloqueou as compras dos papéis da GameStop e de algumas outras empresas. O botão de “buy” do app ficou inoperante. Apenas o “sell” funcionava.

Os investidores ficaram revoltados. Forçada a dar uma explicação, a Robinhood disse que tomou a medida como maneira de proteger os investidores. Mas, como mostra o documentário, a suspeita é que a corretora possa ter agido para proteger na verdade os hedge funds, além da Citadel, o market maker que liquidava as transações e estava tendo que mobilizar uma montanha de capital com o pagamento de margens e colaterais.

Na sequência, as ações tiveram altos e baixos, mas nunca voltaram ao pico. Alguns pequenos investidores venderam a tempo de festejar um lucro considerável, enquanto muitos ficaram no prejuízo com o estouro da bolha especulativa.

Os short sellers acabaram com um rombo estimado em US$ 20 bilhões. O maior tombo foi o do Melvin Capital, que, com uma perda de US$ 12 bilhões, lutou pela sobrevivência por meses, até fechar as portas em maio passado.

A GameStop sobrevive e tem mais de 3.000 lojas nos Estados Unidos. Suas ações valem hoje pouco mais de US$ 20.

O documentário da Netflix emula por vezes o estilo espertinho do filme A Grande Aposta sobre a crise de 2008, e, para aqueles que se perderam em meio ao noticiário, ajuda a colocar em contexto como se desenrolou a saga.

A história em breve chegará também às telonas. Dumb Money será baseado no livro The Antisocial Network: The GameStop Short Squeeze and the Ragtag Group of Amateur Traders That Brought Wall Street to Its Knees, de Ben Mezrich. O autor é o mesmo de Bilionários por Acaso, a história do Facebook que deu origem ao filme A Rede Social.