Bancos e gestoras estão refazendo as contas – para cima – do PIB deste ano depois que os dados até agora mostram uma atividade mais aquecida que o antecipado.
A Selic de 13,75% – mantida por um período mais prolongado do que se imaginava no início do ano – machucou as empresas mais sensíveis ao aumento dos juros, mas outros setores passaram relativamente ilesos até agora em meio ao aperto na liquidez.
Não se materializou também o temido credit crunch pós-Americanas. Na avaliação de economistas e do próprio Banco Central, o endurecimento nas condições do crédito tem ocorrido dentro do esperado em um ciclo de arrocho monetário necessário para frear a inflação.
A surpresa positiva no PIB teve dois grandes drivers, segundo economistas de bancos e gestoras ouvidos pelo Brazil Journal.
O primeiro foi a safra recorde, que ficou acima de 300 milhões de toneladas pela primeira vez na história. A combinação de produção elevada e bons preços vão multiplicar a renda no campo, cujos efeitos se espraiam para outras atividades ligadas ao agronegócio.
O segundo fator ajudando o PIB é a expansão fiscal promovida pelo governo – da ordem de 2% do PIB este ano – e que está amortecendo o impacto dos juros mais elevados.
Era esse o objetivo do time de Lula desde o ano passado, quando negociou a PEC da Transição. Problema: o avanço dos gastos, que devem ter um crescimento real de 7% este ano, torna a inflação mais renitente, dificultando o trabalho do Banco Central e postergando a queda da Selic.
“O primeiro trimestre fechou com dados melhores do que o esperado, e o segundo trimestre também deverá ficar acima do que prevíamos,” diz Felipe Tâmega, diretor de research da Absolute Investimentos.
O economista acaba de rever suas estimativas e agora prevê uma alta de 1,3% do PIB no ano, no lugar de 1,1%.
Diversas instituições têm feito revisões semelhantes, com as projeções migrando da vizinhança de 1% para perto de 1,5%.
Itaú e XP, por exemplo, esperam um crescimento de 1,4%. O Credit Suisse foi de 0,7% para 1,3%. O Bradesco, na ponta mais otimista, foi de 1,5% para 1,8%. O Santander, o mais pessimista, reviu de 0,8% para 1%.
Ficou afastada por ora, portanto, a ameaça de a economia entrar em recessão. O Itaú, por exemplo, esperava uma ligeira contração de 0,1% do PIB no segundo tri, mas agora projeta uma alta de 0,3%.
A eventual contração do PIB poderá ocorrer mais para o final do ano, sob o impacto defasado dos juros nas alturas.
“Houve um efeito renda bastante relevante em razão das transferências do governo. Adicionalmente, vimos uma recuperação do emprego e dos salários,” afirma Tâmega. “Isso ajuda a explicar a resiliência na economia, mesmo com o aperto monetário. Não é que os juros não estão tendo efeito. Estão. Mas a desaceleração acaba se concentrando na indústria e em outros setores mais afetados pelo crédito.”
O BC puxa de um lado, e o governo puxa de outro. Quem fica no meio desse cabo de guerra – que guarda alguma semelhança com o que ocorre nos EUA – são os setores mais sensíveis ao aumento no custo do dinheiro. É o caso dos fabricantes de carros, cujos estoques estão nos maiores níveis em três anos.
A indústria, estimam os economistas, parece fadada a encerrar o ano em queda, contribuindo negativamente para o PIB – que deverá encerrar o ano em ligeira alta por causa das contribuições da agricultura e dos serviços.
Dados compilados por Fernando Fenolio, o economista-chefe da WHG, mostram que o impulso das condições financeiras está em queda desde o ano passado. Já no lado fiscal o impulso tem sido positivo desde o quarto trimestre de 2022 e deverá se manter positivo pelos próximos trimestres.
“Existe um grupo de empresas que vem sofrendo mais em razão do atual mix de política econômica,” disse Fernando. “Ouvimos a queixa de alguns clientes, estrangulados pela alta de juros. As empresas que se endividaram pagando CDI mais alguma coisa, o CDI plus, não esperavam que a Selic subisse tanto. Suplicam pela redução dos juros. Mas o BC precisa olhar para a economia como um todo.”
Alberto Ramos, da Goldman Sachs, disse num relatório que olhando adiante a indústria continuará sentindo o impacto do “vento contrário dos efeitos defasados dos juros mais elevados, queda nas margens e condições de crédito mais exigentes. Mas, “do lado positivo, as expressivas transferências fiscais para as famílias e o aumento da renda real devem amortecer a esperada desaceleração na atividade.”
No campo fiscal houve um aumento do salário mínimo em janeiro e Lula concedeu um novo reajuste a partir de maio, assegurando ganhos acima da inflação. O Bolsa Família foi anabolizado com pagamentos adicionais de R$ 150 para as mães com filhos até 6 anos, e haverá um adicional de R$ 50 para gestantes e famílias com filhos entre 7 e 18 anos. O Congresso quer incluir um adicional de R$ 50 para lactantes.
O governo aprovou ainda o reajuste do funcionalismo, entre outras despesas represadas que foram autorizadas nos primeiros meses do novo governo – tudo dentro do espaço generoso assegurado pela PEC da Transição. Tudo somado, são cerca de R$ 200 bilhões a mais despejados na economia.
O outro lado dessa moeda é que a inflação demora mais a ceder, e um indicador do efeito da renda anabolizada pode ser visto nos preços dos serviços, que se mantêm em alta. Houve retração em alimentos, e o dólar em queda derrubou os preços no atacado. Os IGPs entraram em território negativo.
Mas… as quedas se concentraram em itens mais voláteis. Os núcleos permanecem resistentes, como mostraram os números do IPCA divulgados na sexta-feira, que ficaram acima do consenso.
O BC, na ata do último Copom, já alertou que o combate à inflação entrou “no segundo estágio”, no qual “a velocidade de desinflação é menor e os núcleos de inflação, que respondem mais à demanda agregada e à política de juros, se reduzem em menor velocidade, respondendo ao hiato do produto e às expectativas de inflação futura.”
Disse ainda o BC: “Os dados inflacionários mais recentes corroboram a visão de um processo de desinflação mais lento, em linha com a visão de uma inflação movida por excessos de demanda, em particular no segmento de serviços. O Comitê reafirma que o processo desinflacionário em seu atual estágio demanda serenidade e paciência na condução da política monetária para garantir a convergência da inflação para suas metas”.
A ata veio em tom ligeiramente menos hawkish do que nos meses anteriores, mas o BC passou longe de telegrafar um afrouxamento. Pediu, uma vez mais, paciência.
Quem previa uma redução da Selic para breve já postergou a projeção. Foi o caso do Bank of America, que passou a esperar o primeiro corte em agosto.
A curva de juros prevê alguma chance de isso ocorrer, mas as apostas majoritárias são de que o ciclo de redução se inicie em setembro ou somente no último trimestre. Alguns gestores, entretanto, esperam uma diminuição da Selic apenas em 2024. É o caso do time da Absolute.
Relatório da consultoria AC Pastore, comandada pelo ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, diz que “além do conflito entre a política monetária – restritiva – e a fiscal – expansionista, que não se atenuou diante da proposta do arcabouço fiscal, as expectativas de inflação persistem desancoradas tanto nos horizontes mais curto como nos mais longos.”
Essa desancoragem tem sido atribuída, em parte, ao impulso fiscal. O outro tanto se deve à incerteza sobre qual meta será perseguida no futuro e acerca do perfil da nova diretoria do BC – possivelmente mais dovish.
“Alimentando essas incertezas, o governo acaba dificultando a redução dos juros no curto prazo, algo contrário aos seus objetivos”, constata o diretor de um banco estrangeiro. “Mas acredito que a aprovação do arcabouço fiscal no Congresso, quem sabe com a inclusão de melhoras no texto, vai trazer maior previsibilidade e reduzir os prêmios. O BC terá condições de iniciar o corte de juros no terceiro trimestre.”