Um projeto de lei que propõe limitar o reajuste dos aluguéis à variação do IPCA — eliminando o IGP-M como indexador dos contratos — está causando tensão entre gestores de fundos imobiliários.
Se virar lei, o projeto deve criar uma insegurança jurídica gigantesca no mercado imobiliário e gerar um desequilíbrio nos contratos de longo prazo — afastando investidores e colocando em risco o desenvolvimento do setor.
O PL 1026/2021 — que tramita na CCJ da Câmara e ganhou a alcunha de ‘PL do IPCA’ — é uma tentativa de proteger os inquilinos depois que o IGP-M subiu 32% nos últimos doze meses.
“O problema dos legisladores é que eles estão olhando na superfície e não entendem como esse mercado funciona,” diz Adriano Sartori, que é vice-presidente da Secovi e da CBRE Brasil, uma das maiores consultorias internacionais do setor imobiliário.
“Tem empresas que contraíram dívidas de longo prazo em IGP-M porque sua receita também era corrigida pela IGP-M. Se essa receita passar a ser corrigida pelo IPCA, isso gera um descasamento que pode quebrar a empresa.”
Segundo ele, a medida não faz sentido dado que — na prática — os contratos NÃO estão sendo reajustados pelo IGP-M. Com a pandemia, boa parte dos proprietários tem aceitado negociar os reajustes para não perder inquilinos num momento sensível para o setor.
“Estamos voltando para a época do tabelamento, do congelamento de preços… E essa insegurança jurídica vai afastar muitos investimentos,” diz Adriano.
Além do PL em tramitação na Câmara, na tarde desta terça-feira o senador Weverton Rocha, do PDT do Maranhão, tentou incluir a regra do IPCA dentro do ‘PL do Despejo’, que já foi aprovado na Câmara e está para ser votada no Senado.
O PL proíbe o despejo de inquilinos por liminar, obrigando o proprietário a esperar o trânsito em julgado da ação de despejo antes de colocar o inquilino para fora do imóvel — o que pode demorar anos.
A ideia do senador maranhense: tentar aprovar as duas medidas numa tacada só.
“Eles acham que estão regulando um mercado onde há um desequilíbrio de forças — é o proprietário rico de um lado e o inquilino pobre do outro — mas isso está longe de ser verdade em boa parte dos casos,” diz o gestor de um fundo imobiliário. “Estão querendo criar uma regra uniforme, mas o mercado comporta diversos tipos de relações.”
Outro gestor de FIIs lembrou que, na prática, muitos proprietários de imóveis já estão trocando o IGP-M pelo IPCA de forma espontânea, já que o IGP-M de fato é mais volátil e, em prazos longos, os dois índices acabam convergindo.
“Mas não faz o menor sentido o governo tentar intervir numa relação privada.”
Segundo esse gestor, uma das maiores implicações da mudança será para a indústria de CRIs — um mercado que movimentou mais de R$ 35 bilhões em novas emissões só nos últimos dois anos.
Esses títulos muitas vezes são lastreados no fluxo de aluguéis e corrigidos pelo IGP-M. Se o governo obrigar os proprietários a mudar o indexador, isso pode gerar um risco de descasamento entre o lastro e o que o título paga.
“Imagina uma empresa de shoppings que corrige os aluguéis dos lojistas pelo IGP-M e securitizou esses recebíveis num CRI, que depois foi vendido para investidores com uma correção de IGP-M + 5%,” diz o gestor. “Se o governo decidir que esses aluguéis agora têm que ser corrigidos pelo IPCA, o CRI vai ter que remunerar o investidor com um valor bem mais alto do que os shoppings vão conseguir corrigir os aluguéis.”
Para milhares de aposentados, um imóvel é fonte de renda ou ‘investimento seguro’. Mas no Brasil, a regra sempre pode mudar no meio do jogo.