“Só os tolos e os mortos não mudam de opinião.”  – James Russel Lowell

A recente decisão do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários no caso do fundo de investimento imobiliário Maxi Renda representa uma completa mudança de entendimento da autarquia quanto à forma de apuração de resultados dessa espécie de fundos, ao determinar que variações contábeis tenham impacto na distribuição de rendimentos aos cotistas. A decisão do colegiado determina que, a depender do caso, parte dos rendimentos deveria ser tratada como amortização e tributada.

A CVM discorda que a decisão represente uma mudança de entendimento, alegando estar apenas esclarecendo algo que todos já deveríamos saber. Mas os gestores e administradores, assim como boa parte dos especialistas, estão alarmados com esse abismo de percepção, pois esse suposto esclarecimento é, na verdade, um comando que vai na contramão de um procedimento já sedimentado pelo mercado e que acarretará grande perda de valor para os FII. É importante que se combata a desinformação.

Há quem diga que a decisão da CVM está em linha com seus pronunciamentos anteriores. Mas a autarquia jamais havia expressado o entendimento de que a apuração do resultado pelo regime de caixa, imposta por lei, deveria ser tratada fiscal e tributariamente dentro do regime contábil.

Há quem diga que a decisão da CVM não contraria a lei nº 8.668, que criou os FII. Mas, se essa lei quisesse fixar o lucro contábil como critério para apuração de resultados, não teria seu artigo 10, parágrafo único, uma redação tão clara afirmando que os lucros a serem distribuídos pelos fundos imobiliários serão apurados segundo o regime de caixa. Há limites para a interpretação em Direito. Fosse diverso o entendimento da autarquia, ele deveria ter sido explicitado há muitos anos.

Há quem diga que ao distribuir como resultado um valor que supostamente deveria ser distribuído como amortização, os cotistas estariam deixando de pagar impostos, que deveriam estar sendo recolhidos na fonte pelo administrador do fundo. Mas quem se aprofundar na compreensão tributária do tema descobrirá que, caso o novo entendimento da CVM seja mantido, a Receita Federal terá, entre ganhos e perdas, provavelmente recebido indevidamente uma grande quantidade de recursos.

Sem falar que a operacionalização do novo entendimento fixado pela CVM seria tormentosa. Especialistas já apontaram a impraticabilidade, ou mesmo a impossibilidade, de se fazer, a cada distribuição mensal, uma verificação do que é lucro e do que é amortização. Além disso, na maioria dos fundos imobiliários uma amortização só pode ocorrer após deliberação em assembleia de cotistas. E, como cereja do bolo, temos que os cotistas teriam que informar e comprovar todo mês ao administrador seu custo médio de aquisição das cotas, para que se pudesse apurar se há ou não ganho de capital a sofrer incidência na fonte de imposto de renda.

A resultante da mudança de entendimento da CVM, na hipótese de vir a ser mantida, é que a quase totalidade dos fundos imobiliários perderá sua atual linearidade de distribuição de rendimentos, tendo como consequência uma brutal perda de atratividade para o produto, que poderá perder um significativo número de recursos e investidores.

Em 31 de janeiro, a CVM acatou pedido de concessão de efeito suspensivo à sua decisão interposto pelo fundo Maxi Renda, que entrará em breve com um pedido de reconsideração da decisão proferida. A tarefa é hercúlea, pois implica uma mudança de posição do colegiado da CVM.

Mudanças de posição requerem coragem e humildade. Eros Grau, no livro “Por que tenho medo dos Juízes”, escreveu que um juiz não pode decidir com base em seus princípios, devendo se guiar pela lei. Nesse mesmo livro, o autor teve coragem para afirmar que mudou radicalmente sua opinião sobre um tema.  O ministro aposentado do STF havia defendido aquele opinião em sua tese no concurso para Professor Titular da Faculdade de Direito da USP em 1989, e a havia reforçado ao longo de nada menos que cinco edições de seu livro.

Os argumentos jurídicos e econômicos que justificam a reversão dessa decisão são muito sólidos, e o mercado espera que prevaleça a segurança da correta aplicação da lei.

André Freitas e Ricardo Freitas são respectivamente CEO e COO da Hedge Investments.