NOVA YORK — Pouco reconhecida em vida. Mulher que se orgulhava de suas origens indígenas e retratava seus episódios mais sofridos. Uma artista do século 20 que fala com o século 21 de forma singular e atemporal: seu feminismo e deficiência física, sua reformulação das regras artísticas.   

É assim que Catherine Morris, curadora do Brooklyn Museum em Nova York, define Frida Kahlo. 

Especialista em arte feminista, Morris está por trás da mostra “Frida Kahlo: Appearances Can Be Deceiving”, ou “As aparências enganam”, que abre nesta sexta-feira no museu e fica até 12 de maio. 

“Ela é instigante para o Brooklyn, para os Estados Unidos e para o mundo”, diz Morris.

Apesar de ter morrido em 1954, com apenas 47 anos, a ideia de Frida Kahlo permanece viva: uma conta em seu nome tem 800 mil seguidores no Instagram. Esse fascínio se explica em parte por sua autenticidade e destemor (num país reconhecidamente machista), ambos refletidos sem filtro na forma como ela se mostrava ao mundo. Em suas obras, Frida retratava sua monocelha e seu buço, seus pesadelos, suas devastadoras dores físicas, e também as amorosas. Nunca escondeu sua devoção pela cultura indígena — e seu pavor pelo capitalismo. 

Filha de um renomado fotógrafo húngaro-alemão e uma mãe hispano-indígena, Frida foi vítima de pólio na infância, o que a deixou com uma perna permanentemente mais fraca. Além disso, sofreu um acidente de ônibus aos 18 anos no qual quebrou a espinha dorsal.  O resultado: 30 cirurgias e diversas limitações ao longo da vida.  Sua carreira como pintora começou em 1925 após o acidente. Ao longo das três décadas seguintes, seus quadros surrealistas e auto-retratos refletiram sua dor constante, além da conturbada relação com o marido, o muralista Diego Rivera, com quem se casou em 1929.

A mostra no Brooklyn explora “a forma como política, gênero, nacionalidade e deficiência física definiram a auto-representação da vida e obra da artista”. Para sublinhar sua identidade e esconder sua deficiência, Frida se vestia de acordo com o costume Tehuana, típico da cidade Tehuantepec, uma sociedade matriarcal onde nasceu sua mãe.

Usava longas saias, blusas bufantes e ornamentos no cabelo — vários dos quais foram trazidos para a mostra, que conta ainda com mais de 100 objetos, incluindo jóias, maquiagem e até o colete ortopédico e próteses, trazidos de “La Casa Azul”, onde a artista nasceu e morreu, e hoje um museu na Cidade do México. Visitantes no Brooklyn verão de perto obras como  “Autorretrato com colar” (1933), “Autorretrato com Trança” (1941) e “Autorretrato como Tehuana, Diego na minha mente” (1943). 

“Esta será uma das maiores mostras da artista em Nova York e acontece num momento crucial para construir uma ponte entre os Estados Unidos e o México”, a diretora Anne Pasternak disse ao Brazil Journal. Esta é a segunda exposição sobre Frida desta magnitude. A primeira aconteceu na Filadélfia, em 2008, por ocasião do centenário de seu nascimento. 

Desta vez, Frida é celebrada numa época de relação delicada entre as duas nações, em meio ao desejo do presidente americano de construir um muro ao longo da fronteira de 3 mil quilômetros entre os dois países.  

Se a fronteira é um problema, ao menos a arte mexicana tem sido aclamada pelo vizinho do norte. Este ano, o filme Roma, do diretor Alfonso Cuarón, e sua protagonista, de origem indígena, Yalitzia Aparicio, concorrem ao Oscar na categoria de melhor filme e atriz, pela Netflix. Em março de 2018, o filme Coco (A Vida É Uma Festa), sobre o Día de los Muertos, levou o Oscar de melhor filme animado e melhor canção original (“Remember Me”, interpretada, inclusive, por Gael García Bernal).