Um (longo) perfil da New Yorker sobre Larry Gagosian, o maior art dealer vivo, se tornou o assunto do mundo das artes nos últimos meses.

O autor foi Patrick Radden Keefe, um repórter premiado que ficou famoso pelos perfis de pessoas e famílias como os Sacklers (dos opioides) e o traficante mexicano El Chapo.

Gagosian não dava uma entrevista há 10 anos.

O perfil começa contando como Gagosian – ainda jovem e vindo de uma família classe média com zero interesse em museus ou história – trabalhava em um estacionamento quando reparou na movimentação em torno de um vendedor de pôsters em uma rua de Los Angeles.

Gagosian aproximou-se e quis entender o porquê de tanta gente parar para comprar aquilo no meio da rua. Como o custo e o risco eram baixos, resolveu replicar o negócio.

“Se aquele cara vendesse bem cintos, esse poderia ter sido o meu negócio,” disse Gagosian, o que significa que sua relação com a arte nunca foi pelo objeto em si.

Gagosian é um vendedor nato. Depois de começar a vender na rua, mudou-se para um lugar fechado, onde sublocava parte do espaço para artistas iniciantes venderem diretamente suas obras, cobrando uma pequena comissão.

Quando ainda vendia posters, Gagosian percebeu que se incluísse uma moldura aumentaria consideravelmente o preço – ou seja, o mesmo produto com uma moldura barata fazia a margem subir exponencialmente.

Ao longo de cinco décadas, Gagosian, que faturou US$ 1 bilhão ano passado, trabalhou incessantemente pelo sucesso e pelo status.

Com o poder que conquistou no mercado global, o selo Gagosian virou a maior alavanca do negócio. O artista Mark Kostabi disse à New Yorker que só de entrar para o rol de artistas representados por Gagosian já justifica um aumento considerável de preço na largada; o aval de Larry é o que faz aumentar a margem. “Ele virou a moldura,” refletiu Kostabi.

O olhar clínico para as boas obras e o talento para vender permeiam o longo artigo, e são os únicos pontos unânimes entre todos os entrevistados.

Com 19 galerias pelo mundo – de Nova York a Londres, de Roma e Atenas a Hong Kong – o sol nunca se põe no império de Gagosian.

Ele representa mais de 100 artistas (nos mercados primário e secundário) incluindo os lucrativos Jenny Saville, Anselm Kiefer, Cy Twombly e Donald Judd. (A única brasileira representada pela galeria é Adriana Varejão).

O artigo traz histórias polêmicas do começo de carreira, como um caso de fraude financeira (o uso de cartão de crédito de terceiro em que Gagosian se declarou culpado no tribunal) e alegações de mulheres que recebiam telefonemas com convites inapropriados e falas indecorosas (Gagosian nega, apesar de a matéria ter coletado diversos depoimentos confirmando). Com o tempo, e com Gagosian se mantendo longe de escândalos e da mídia, esses pecados ficaram enterrados – emergindo só agora, pela primeira vez, na matéria investigativa.

Gagosian foi tão bem sucedido em vender arte para os clientes mais poderosos do universo que… passou a ser um deles.

Ele não é um mero vendedor e não se coloca dessa forma. Mais que simplesmente pertencer àquele ciclo, há um esforço premeditado em mostrar que ele vive melhor do que seus clientes: por isso as casas enormes nas localizações mais premium, as festas de arromba, os carros luxuosos, e o melhor da arte nas paredes (sem falar nas namoradas).

Gagosian hoje namora a artista Anna Weyant, 50 anos mais jovem que ele, e as obras dela vendem por mais de US$ 1 milhão. É uma artista que já vinha sendo bem recebida pela crítica antes do namoro com o galerista. Uma obra sua está pendurada nas paredes da casa de Gagosian, entre quadros de Richard Prince e Twombly.

Gagosian gosta de receber, e suas casas suntuosas são feitas para isso. Ele sabe como fazer o mix certo que torna suas festas concorridas. “Muitos bilionários e será tão monótono quanto Davos; muitos artistas e celebridades e… quem vai comprar a arte? As modelos são importantes, porque elas ficam bem numa mesa de jantar,” Gagosian explicou certa vez.

O designer Marc Jacobs disse à New Yorker que “Larry vende o que não está à venda”. Ele se aproxima de colecionadores e oferece preços irrecusáveis por obras que estão penduradas nas paredes de suas casas. Se recusarem, ele dobra o preço – mas já sabe para quem vender em seguida.

Gagosian investe mais no relacionamento com clientes do que com artistas, e é certeiro em se aproximar de quem lhe será útil; não perde tempo de outra forma.

Gagosian diz que apesar de soar egocêntrico, ele se sente uma combinação entre Duveen e Castelli (duas das maiores lendas do mercado de arte, que viveram  em diferentes épocas).

“Eu represento os mais importantes artistas vivos e movimento um mercado secundário muito, mas muito robusto. A estratégia é tirar o máximo dos dois mercados.”

A pintora Jenny Saville, uma das artistas mais caras do mercado primário hoje, trabalha com Gagosian há anos. “Mesmo se ele está jantando ou de férias em um barco, ele não desliga. Todos os jantares divertidos tem uma razão para serem divertidos.”

Um amigo de Gagosian descreve as festas como marketing disfarçado. “Larry é genial em identificar quem convidar para sua casa. A pessoa entra e pensa: eu talvez precise ter um Picasso…”

Quando o visitou, o bilionário francês Bernard Arnault ficou entusiasmado com as obras. Gagosian teria dito que tudo estava à venda. “Não precisa ficar nervoso. Até as cadeiras, os quadros – é só perguntar.”

Um frequentador de suas festas ressalta que é um pouco deprimente ver que o conceito e o processo artístico das obras são pouco discutidos. As pessoas só debatem por quanto foi comprado, qual valor no mercado secundário e como ainda pode subir. Jean Pigozzi, um fotógrafo e grande colecionador, lembra: “Afinal, estamos falando de dinheiro nas paredes.”

“O que Karl Marx dizia? O dinheiro cria o gosto,” Gagosian brincou certa vez (na verdade, ele estava citando uma provocação irônica da artista Jenny Holzer). Alguns críticos mais ácidos dizem que Gagosian hoje vende um tipo de arte grandiosa e chamativa, feita para o padrão de vida de oligarcas que moram em mansões e coberturas.

Segundo a Bloomberg, a indústria da arte movimenta US$ 65 bilhões, e mesmo com esse volume, não é regulada. Não há proteção contra conflitos de interesse, regras sobre questões concorrenciais ou punições pela quebra do dever fiduciário.

Gagosian pode receber comissão do artista, do vendedor e do comprador – e não precisa informar a nenhum dos três de quem está recebendo, nem quanto. Ele mesmo reconheceu à New Yorker que já trabalhou nas duas pontas – do comprador e do vendedor – sem informar nada a ninguém.

Para alguns artistas, é incômodo pensar que seus colecionadores são pessoas com valores e posições políticas que lhes parecem repugnantes. Perguntado se, por ética, ele recusaria um negócio, Gagosian responde que só não venderia para um assassino condenado pela justiça, mas em caso de suspeitas de outros crimes, ele não seria o juiz moral da transação.

Se há um assunto que Larry evita é sua sucessão. O jornalista se pergunta: será que o business e a marca Gagosian sobrevivem sem Larry? O que aconteceu com a moda seria replicável aqui – Chanel sem Coco? Por isso, a especulação de que o grupo LVMH compraria o negócio fazia sentido, mas foi negada.

A diferença é que a espinha dorsal do negócio é a própria persona de Gagosian. A forma como ele estabeleceu seu networking e modus operandi de venda é irreplicável.

O colecionador Jean Pigozzi alfinetou: “Se Larry morrer ou se aposentar, não sei o que você estará comprando.”  Arte sem o selo Gagosian vale quanto?