A habilidade política do governo tem sido bastante questionada. Há trapalhadas difíceis de entender quando se leva em conta a experiência política de muitos de seus membros. Ainda que parte do problema possa ser superada mais facilmente, há características do PT que dificultam uma maior correção de rumos. O problema vai muito além de construir uma base aliada, pois os aliados questionam a própria agenda do governo.
O modus operandi do presidente Lula reflete possivelmente uma crença de que tudo se resume à barganha política, como já apontaram outros analistas. Minimizam-se os limites impostos por discussões técnicas e o pragmatismo de aliados. Muitas decisões têm efeitos colaterais indesejados, para além das pressões de grupos organizados.
Já o PT, apesar da repetida retórica, exibe dificuldades com o diálogo amplo e democrático e com o debate público. Diante de críticas, desqualificam quem as faz; um método recorrente que leva o partido a se esquivar dos devidos esclarecimentos à sociedade.
A combinação desses dois elementos acaba custando caro, não apenas ao País mas à própria credibilidade do governo e à sua capacidade de articulação política.
A imprensa noticia que, diante de críticas de aliados e revezes no Congresso, Lula terá maior participação na articulação política e irá cobrar fidelidade de aliados.
Ocorre que nem tudo se resume à negociação política. Os temas na pauta legislativa são tratados caso a caso, conforme sua adequação aos compromissos de parlamentares. Retrocessos em relação a decisões anteriores não passam facilmente.
Esse contexto exige maior preparo do governo na formulação de reformas e políticas públicas. Requer-se atenção às críticas e ao debate público, para evitar constrangimentos ao Presidente.
Os sinais de limites à negociação política já haviam sido dados pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, quando ambos afastaram, em alto e bom som, a possibilidade de eliminar a autonomia do BC.
Um exemplo concreto recente foi o Congresso derrubar parte importante do decreto do Executivo que, com uma canetada, tentou impor retrocessos ao marco do saneamento – basicamente, protegendo empresas estatais ineficientes –, uma matéria discutida há anos, negociada e aprovada em 2020.
O governo negligenciou as muitas críticas, inclusive de Arthur Lira. Não se trata de base fraca no Congresso, mas sim de iniciativa equivocada, apesar dos alertas.Outro exemplo foi o adiamento do PL das fake news, para evitar a derrota do governo – isso depois do esforço para a aprovação do regime de urgência, que elimina a necessidade da matéria passar pelas comissões na Câmara. Mais um vexame, fruto de açodamento em matéria complexa não pacificada. Muita energia gasta para quase nada.
São sinais de freios e contrapesos em funcionamento – tema do meu artigo de novembro, “Vendo o copo meio cheio”. A oposição está mais organizada e a base aliada é pragmática, não abraçando teses petistas apenas por conta da negociação política com o governo. Pesam também convicções e compromissos passados.
Há, naturalmente, temas novos que avançam, mas, lamentavelmente, sem o necessário debate público qualificado. Exemplo disso foi a aprovação do PL 1.085/2023, que prevê multa às empresas que fizerem diferenciação de salários de homens e mulheres em iguais funções. Há ainda exigência de apresentação de relatórios de transparência salarial e plano de ação para mitigar a desigualdade.
Trata-se de pauta considerada prioritária por Lula, que reagiu à demora de Lira em pautar a matéria com cobranças no seu discurso no 1º de maio.
O tema é meritório, mas esbarra na dificuldade de identificar a diferenciação salarial. Como ensina José Pastore, a remuneração de um funcionário leva em conta muitos atributos que, em última instância, afetam sua produtividade.
Para além da formação e do tempo de experiência, há habilidades pessoais como competência, liderança e responsabilidade. Ao final, as penalidades e as obrigações acessórias poderão acabar desincentivando a contratação de mulheres em alguns segmentos.
Há ainda projetos que poderiam ter sido evitados pelo governo, como a nova regra fiscal. Ajustes na regra do teto teriam sido uma decisão mais sábia. Não será fácil sua tramitação e implementação, cuja sustentação depende do aumento da arrecadação.
Enquanto os ruídos provenientes do governo ficam na retórica, o custo é mais facilmente contornável. Porém, ao afetarem a agenda no Legislativo, aumentam a fatura.
Todo esse quadro reduz a energia disponível e o foco para a aprovação da reforma tributária, possivelmente o único projeto de maior envergadura do atual governo.
Estamos em maio e nada aconteceu. Para se ter uma ideia, a outra grande reforma que o País aprovou, a da Previdência, teve seu texto aprovado na CCJ da Câmara em abril de 2019, o quarto mês do governo anterior.
A cada dia desperdiçado neste primeiro ano de governo – geralmente o mais importante para o avanço de matérias mais complexas – menor a chance de sucesso na agenda de reformas.
Zeina Latif é economista.