Num momento de alta tensão no mercado de crédito, problemas numa usina de cana-de-açúcar acenderam a luz amarela no mercado de Fiagros e FIIs. 

Fundos das gestoras Vinci e Vectis compraram cotas de um CRI de R$ 35 milhões emitido pela usina Serpasa em abril do ano passado para financiar um projeto greenfield no Vale do São Francisco, na Bahia. 

Um FII do BTG, o BTAL11, comprou 100% das cotas de outro CRI, de R$ 60 milhões, emitido em março de 2021, para financiar o mesmo projeto. 

A implantação da usina atrasou, em razão da demora na liberação das licenças de operação por parte da ANP. A previsão inicial era que a planta entrasse em operação no primeiro semestre de 2022 e já começasse a gerar caixa. Mas a autorização só foi publicada no Diário Oficial em janeiro deste ano. 

Para não ficar inadimplente com os pagamentos do CRI de R$ 40 milhões, a família Paranhos Ferreira, dona da Serpasa, colocou a mão no bolso: vendeu um imóvel para recompor o fundo de reserva. Assim, os pagamentos foram integralmente feitos.

Além disso, a família está em negociação para se desfazer de uma fazenda e honrar a primeira parcela da amortização do papel, que vence em julho.

Por fim, a pedido dos credores, a empresa contratou a Alvarez & Marsal para auxiliar a empresa no processo de gestão operacional e financeira, com o objetivo de otimizar a capacidade produtiva, rever custos e viabilizar o plano de expansão da usina. 

No caso do CRI de R$ 60 milhões, totalmente tomado pelo fundo do BTG, os pagamentos de juros foram retomados parcialmente depois da venda do imóvel da família.

“Em março, a companhia realizou a venda de um ativo não estratégico visando fortalecer sua estrutura de capital, e retomou, ainda que não em sua totalidade, o pagamento dos juros mensais”, informa o último relatório do fundo.

O CRI representa cerca de 10% do patrimônio do BTAL11, que está em baixa de 6% neste ano.

Os fundos da Vinci aportaram R$ 5 milhões cada – o que representa menos de 3% do PL do VCRI11 e menos de 1,5% do VICA11. Na Vectis, o VCRA11 destinou R$ 9,8 milhões (2% do patrimônio) e o VCJR11, outros R$ 5 milhões (0,3% do patrimônio).

Os fundos estão em queda no ano. O VCRI11 tem a maior baixa, de 11%. VCRA11 e VCJR11 caem em torno de 3%, enquanto o VICA11 perde 0,5%. 

“Estamos tranquilos com a situação. A estrutura da operação foi feita para proteger o capital dos investidores e temos como garantia fazendas dos proprietários e outra ao lado da própria usina,” disse Múcio Mattos, sócio e head de crédito da Vectis.

Segundo a Vectis, a operação conta com garantias e alienação fiduciária de ativos que representam, a valor de mercado, uma razão de 250% sobre o valor da operação, “o que oferece uma proteção importante em caso de execução das garantias”.

Para Mattos, o projeto continua interessante, pois vai produzir etanol numa região deficitária na produção do combustível. A estimativa é que, sozinha, a Serpasa atenda 15% da demanda de etanol da Bahia.

Segundo a Vinci, o fundo de juros foi estruturado para ser utilizado durante o período de construção da usina enquanto a empresa não possuía geração de caixa, o que é normal em projetos greenfield. Recorrer às reservas era algo que estava no radar.

A Serpasa é uma usina de cana no Polo Agroindustrial e Bioenergético do Médio São Francisco. A indústria será inicialmente abastecida por 2 mil hectares de cana. A meta é chegar a 10 mil hectares irrigados, colhendo 2 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano até 2030.

O mercado de Fiagros cresceu de forma exponencial desde que esses fundos foram regulamentados em 2021. Hoje há 28 fundos listados, com quase 240 mil investidores e patrimônio combinado de R$ 7,5 bilhões.