Meu nome é Carlos Sandoval e sou CEO de uma grande empresa brasileira. 

Venho a público pedir um pouco de paciência aos acionistas com os nossos prejuízos. A culpa é dos ‘não recorrentes’ — nossa não recorrência de vendas, por exemplo. 

Veja que houve imprevistos cambiais também. Tivemos azar. Se a cotação do dólar estivesse no patamar de 2016 na hora em que fechamos as vendas e no nível de 1995 quando compramos os insumos, teríamos ganhado um caminhão de dinheiro. Só um cego não enxerga o potencial deste negócio. 

É verdade que estamos um pouco alavancados. Fizemos uma conta aqui. Pegue nosso prejuízo líquido de R$ 232 milhões, impactado pelo custo da dívida. Agora pense no que eu sempre digo para os nossos jovens talentos: temos que fazer benchmark com os melhores. No caso, o governo japonês. Se conseguíssemos renegociar os juros que pagamos, levando-os a valores negativos, podemos multiplicar nossa dívida por 40 e teremos lucro líquido de R$ 32 bilhões no próximo ciclo. 

Sugeri apresentar esse número no balanço como o “lucro líquido ajustadíssimo”. Disseram que não é esse o conceito de ajuste. Propus então “lucro líquido projetado disruptivo”, porque “disruptivo”, “omnichannel” e “digital first” sempre pegam bem. Os auditores, chatíssimos, disseram que ficaria estranho. Estranho é o sujeito escolher passar a vida fuçando o balanço alheio. 

Já o pessoal da nossa agência de publicidade, que estava aqui no dia, adorou a ideia. Quer dizer, tenho a impressão que não entenderam bem a coisa dos juros, mas apoiaram com entusiasmo — é assim que eu gosto, tem que estar no barco.  Commitment! Agora estou sugerindo ao conselho que nossos balanços passem a ser auditados pela McCann. 

É preciso ver que nosso projeto é de médio prazo, que é o que esses analistas de banco não entendem. Claro, todos eles têm 23 anos. Vai falar em plano de cinco anos pra esses moleques? Cinco anos atrás eles ainda estavam tomando banhos loooongos, gastando banda larga da mãe para ver outro tipo de passivo a descoberto madrugada adentro. E agora vão querer cagar regra pra mim, que tenho três décadas de experiência neste negócio? 

Até outro dia, isso me irritava demais. Mas então percebi nessa questão geracional uma oportunidade. 

Li numa revista dessas que a tal geração Z não quer ganhar dinheiro, mas sim ser feliz e ter propósito. É isso! Quando a assunto é não ganhar dinheiro, ninguém está tão bem posicionado quanto nossa empresa. Já estamos investindo naquilo que faz os colaboradores felizes: espalhando pufes pelo escritório e mudando os nomes dos cargos. O “Analista Jurídico Tributário”, por exemplo, agora vai poder dizer no Linkedin que é “Artista Residente da Elisão Fiscal”. 

 
It’s not about money, it’s about having fun! 

A meu pedido, o pessoal da McCann montou a métrica de “happiness before earnings, profits and dividends”, que agora vai constar de todas as nossas apresentações de resultados. Seremos imbatíveis. Esse negócio de dar lucro é tão 1987. 

Eis um ‘case’ para quem não acreditava em turnaround. Agradeço os elogios, mas não quero ser reconhecido como gênio. Era a minha obrigação como executivo. Como diria João Pinto, ex-jogador do Benfica, “o que fiz não foi nada de especial, apenas chutei com o pé que estava mais a mão”. De nada. 

Carlos Sandoval é um executivo fictício fruto da imaginação de Ricardo Mioto, que está lançando pela Record o livro “Breve História Bem-Humorada do Brasil”, já disponível na Amazon e em todas as livrarias.