Gustavo Petro, um homem de esquerda, venceu as eleições colombianas com a promessa de enfrentar a desigualdade social no país – um roteiro não muito diferente do também esquerdista Gabriel Boric no Chile.
Assim como Boric, Petro foi recebido com desconfiança pelo mercado, que teme o estrago fiscal de medidas voluntariosas de expansão do gasto público.
E assim como Boric, Petro também acaba de escolher um nome ‘market friendly’ para comandar a economia: José Antonio Campo, um respeitado acadêmico com vasta experiência na administração pública e em instituições internacionais, será o novo Ministro da Fazenda da Colômbia.
No Chile, o fiador da política econômica é Mario Marcel, que já era o presidente do BC e em janeiro foi nomeado por Boric ministro da Fazenda.
Marcel já ocupou cargos em diferentes governos e está longe de assustar os investidores. Nos anos 2000, foi um dos formuladores da regra de superávit fiscal estrutural seguida pelo país. (Sim, a esquerda chilena – os herdeiros de Allende – foi capaz de conviver com isso!)
Os primeiros eleitos na nova onda de esquerda na América Latina, Petro e Boric vão tentar ampliar a rede de proteção aos mais pobres ao mesmo tempo em que tentam não alienar os investidores – com a nomeação de ministros ‘market friendly’.
E Lula?
Seguirá o mesmo roteiro caso seja eleito em outubro?
Ainda há muita névoa sobre o que o PT pretende fazer na economia caso retorne ao poder. O candidato acha desnecessário reeditar sua Carta ao Povo Brasileiro e gasta mais saliva – e tuítes – fustigando banqueiros do que emitindo declarações que tranquilizem os mercados.
La garantia soy yo, diz Lula na prática.
Há semelhanças entre as propostas de Boric e Petro para ampliar o gasto social. O denominador comum é fazer uma reforma tributária que reduza isenções e amplie a tributação incidente no topo da pirâmide.
No Chile, Marcel apresentou na última semana uma proposta ampla de reforma tributária que, se aprovada, elevará a carga tributária em 4,1% do PIB.
Na campanha, Petro defendeu elevar a carga tributária em 5% do PIB, o equivalente a mais de US$ 12 bilhões ano. Para chegar lá, prometeu fazer os ricos pagarem mais impostos, taxar dividendos e eliminar benefícios.
Em ambos os casos, existe a preocupação, ao menos no papel, de manter o orçamento equilibrado – sem pedaladas nem PECs kamikazes.
“Ocampo não é nenhum maluco. Foi uma boa escolha do novo presidente. Não fará nenhuma aventura na gestão da macroeconomia”, o economista Otaviano Canuto, senior fellow do Policy Center for New South e ex-vice presidente do Banco Mundial, disse ao Brazil Journal. “Ao mesmo tempo, ele tem ideias mais heterodoxas com relação às ações públicas no incentivo ao desenvolvimento e combate à pobreza.”
Canuto, que conhece o colombiano desde os anos 90, contribuiu com um capítulo em um livro de 2020 em que Ocampo foi um dos organizadores. “Trapped in the Middle?: Developmental Challenges for Middle-Income Countries” debate caminhos para os latino-americanos e outras economias emergentes escaparem da maldição da estagnação.
Para o executivo de um grande banco brasileiro, a indicação de Ocampo foi positiva quando se leva em consideração o ambiente político na Colômbia. “É um grande nome, apesar de não ser o cara mais rígido do ponto de vista fiscal. Ele traz muita experiência mas terá um trabalho difícil pela frente. São muitas demandas sociais. A chance de frustração é grande.”
Hoje com 69 anos, Ocampo fez seu PhD em Yale. Nos anos 1990, foi ministro da Agricultura e da Fazenda. Passou depois pela Cepal, e em 2003 foi nomeado secretário para Assuntos Econômicos e Sociais da ONU.
Nos últimos anos deu aula em Columbia e publicou livros e estudos sobre a economia latino-americana. Na disputa eleitoral colombiana, atuou como assessor do candidato de centro-esquerda Sergio Fajardo, que não passou para o segundo turno.
“É um economista heterodoxo, mas não é um radical,” afirmou Alberto Ramos, o diretor de pesquisa macroeconômica para a América Latina da Goldman. “Espera-se que seja a voz do realismo no desenho da política macroeconômica para que o Governo não caia em uma política mais romântica e ideológica, crente que não haverá restrição fiscal.”
Em alguns aspectos, Ocampo aproxima-se dos desenvolvimentistas brasileiros. Ele acredita no papel do setor público como investidor no desenvolvimento e na diversificação da economia, hoje muito dependente das commodities.
Em um artigo publicado no El Espectador no domingo passado, antes de sua nomeação para o ministério, o economista disse que será necessário fazer um ajuste de pelo menos 3% do PIB para respeitar as regras fiscais.
“É necessário financiar de forma permanente um maior gasto público social. Isso significa que a maior parte do ajuste deverá ser feito com uma reforma tributária estrutural,” escreveu.
(Aliás, se há um consenso se formando sobre um eventual Governo Lula III, é o de que vem mais imposto aí.)
Brincar com o fiscal seria desastroso.
“Quanto mais se tenta turbinar a economia com expansão fiscal, menos a economia cresce” disse Alberto Ramos. “Já vimos isso acontecer. A reação do mercado pode minar o ambiente para o investimento.”
No primeiro Governo Lula, Antonio Palocci montou uma equipe técnica robusta e Henrique Meirelles comandou o BC com mão de ferro. O Brasil conquistou o investment grade e a economia bombou como em poucos períodos da pós-redemocratização.
Mas o PT nunca admitiu que aquele sucesso veio de uma política econômica que não tinha nada a ver com seu programa, ou, como dizem hoje, as “diretrizes” do partido.
Lula — que já disse com orgulho que os bancos “nunca ganharam tanto dinheiro” como no seu governo — tuitou na sexta-feira: “Banqueiro não vota em mim. Eles olham para mim e falam ‘esse cara é nordestino, vai querer aumentar o salário do trabalhador, o povo vai viajar de avião’. Eles querem alguém que não cheira nem fede.”
Se depender da retórica pré-eleitoral, Lula não será nem Boric nem Petro.
“O que impressiona no Lula hoje é o compromisso com o passado,” diz um economista. “O pensamento dele está tão velho, tão velho, que é difícil crer que ele realmente acredita nisso.”
As escolhas feitas no Chile e na Colômbia mostram que não precisa haver dicotomia. Ajudar os vulneráveis e fazer coisas que o mercado aprova — como regras trabalhistas mais leves, manter as contas em ordem e ter menos estatais — não são coisas mutuamente excludentes.
Ao contrário: o ambiente econômico criado por essas medidas tende a dar mais confiança a investidores e empresários, que criam os empregos, pagam os salários e mantêm a arrecadação em alta.
O resto é tiro no pé — e para o PT, o mal maior: a volta do Bolsonarismo em quatro anos.