PARIS – Dois artistas brasileiros acabam de inaugurar obras grandiosas no exterior, fora das paredes de uma galeria ou instituição de arte.
A gaúcha Regina Silveira agora tem um piso e painel permanentes no Aeroporto Internacional George Bush, em Houston, enquanto o carioca Ernesto Neto toma o teto do Bon Marché, aqui em Paris.
Desde sua criação há 150 anos, o Bon Marché tem uma ligação forte com as artes plásticas e a música clássica. O casal fundador da loja começou a exibir as pinturas que eram rejeitadas pelo Salão de Belas Artes, no século XIX.
Em 1873, foi criado o chamado “Mês Branco”, em que artistas plásticos eram convidados a criar obras temporárias que ficariam expostas durante o mês de janeiro. Em 2016, um novo diretor artístico revigorou o programa, abrindo-o para artistas internacionais e convidando nomes como Ai Weiwei, Daniel Buren, Joana Vasconcelos e Leandro Erlich, entre outros.
Agora é a vez de Ernesto Neto.
Neto já tinha sido convidado antes, mas hesitou. Criar uma obra específica e temporária para uma loja não é uma decisão óbvia. Mas o Bon Marché não é uma loja qualquer. Ele se diferencia por sua história com a arte, incluindo uma coleção permanente, e por ter um diretor artístico.
Frédéric Bodenes, responsável pelo lado cultural do magazine, é admirador da obra de Neto e não aceitou “não” como resposta. Viajou ao Rio para visitar o ateliê e reforçar o convite. Neto disse que no dia teve uma visão – de uma serpente – e sabia exatamente o que fazer no espaço proposto.
Com o nome de Le La Serpent, a obra fica em exposição até 23 de fevereiro. Produzida no Rio, a serpente branca de 28 metros de crochê atravessa o teto do Bon Marché. Neto também ocupa uma sala no terceiro andar com outra obra que permite a interação dos visitantes. Eles podem desenhar nas paredes enquanto ouvem uma música composta (e cantada pelo próprio artista) para a exposição.
Para o artista, a serpente é o pai e a mãe da humanidade, e vítima de uma percepção negativa que predomina no Ocidente, que associa a serpente ao pecado ou à morte.
“Em muitas culturas, a serpente é uma figura associada à criação, à vida,” Neto disse ao Brazil Journal. “Fiz questão de colocar no catálogo da exposição textos nesse sentido de Joseph Campbell, mitólogo e professor americano.” Campbell acreditava que a “serpente carrega simultaneamente o senso de fascinação e de terror da vida.”
Em junho, Neto fará uma exposição no Grand Palais, com uma obra monumental de crochê e tambores que poderão ser tocados pelo público, na linha do que foi apresentado em maio de 2024 no MAAT, em Lisboa.
Também inaugurada em janeiro, a obra de Regina Silveira – batizada de Paradise – surpreende quem passa pelo saguão do Aeroporto Internacional de Houston. Três anos atrás, a administração abriu um concurso convidando artistas para desenvolver um projeto relacionado à cultura, paisagem ou história texana. Regina venceu.
A artista me disse que se interessa pelo espaço público e busca criar um efeito de transformação da percepção do uso desse espaço. Regina já produziu obras permanentes para o Aeroporto de Porto Alegre e para a USP.
As peças de vidro foram produzidas no Brasil, com imagens digitais apropriadas dos insetos do Texas, e demandaram uma logística complexa, dado o peso de cerca de 6,5 toneladas.
“Eu quis que tivesse um componente de magia e beleza, coisa rara e única na minha produção. Isso foi solicitado pelo lugar, onde passam crianças, pessoas de todas as idades e culturas do mundo. Agora vão necessariamente passar por borboletas e mariposas, então eu queria que fosse bonito, que tocasse a imaginação desse público, traçando uma relação com o voo, já elas também devem voar; que voem com liberdade e beleza.”