O setor elétrico brasileiro sempre foi baseado numa fonte de energia confiável, renovável e que garantia uma certa modicidade tarifária: as hidrelétricas com grandes reservatórios.
Mas de uns tempos para cá, o Brasil tem ficado cada vez mais refém do clima, e a coisa passou a funcionar assim: em tempos de seca, o Ministro das Minas e Energia levanta da cadeira e cede lugar a São Pedro.
Daqui pra frente, a coisa tende a piorar.
Como o Governo já sinalizou que não pretende mais autorizar a construção de hidrelétricas com grandes reservatórios, ficaremos cada vez mais dependentes de usinas a fio d’água, que, por não terem capacidade de armazenamento, não conseguem atender à demanda nos períodos de seca.
Além disso, outras fontes renováveis intermitentes — como a eólica, a biomassa e a solar, que estão crescendo em nossa matriz — tornarão a operação do chamado Sistema Interligado Nacional cada vez mais difícil e complexa.
Essas fontes dependem de condições climáticas que mudam de ano para ano e são de difícil previsão, ou seja, nosso fornecimento de energia está sujeito à variação destas fontes ao longo do ano e de ano para ano, à medida que o peso delas vai aumentando na nossa matriz elétrica.
Para o Operador Nacional do Sistema (ONS), será cada vez mais difícil despachar usinas que geram com fontes intermitentes garantindo o equilíbrio adequado entre segurança energética e modicidade tarifária.
O resultado disso é que nos últimos anos, para evitar racionamento, deixamos de fazer o despacho obedecendo à ordem do mérito econômico. Com isso, chegou-se ao absurdo do ONS despachar primeiro usinas termoelétricas — antigas e concebidas para entrar na ponta — deixando a energia hidroelétrica para ser despachada depois das térmicas, contrariando a lógica da entrada pelo critério da ordem do mérito econômico.
Como otimizar a geracao de energia? Como garantir a oferta a preços razoáveis?
Precisamos de um planejamento que considere o papel real que cada fonte primária de energia pode desempenhar na matriz elétrica.
As políticas praticadas no setor elétrico não tem maximizado a utilização das diferentes fontes para a geração de energia elétrica, desperdiçando a diversidade existente no País.
Por exemplo, a atual metodologia de leilões de energia não considera as características de cada fonte, muito menos a sua localização. Isso acaba mascarando o real preço de cada fonte de energia.
Na minha opinião, os benefícios de realização de leilões nacionais, que colocam as diferentes fontes de energia concorrendo entre si, já terminaram. Está na hora de promovermos leilões regionais e por fontes, para dentre outras vantagens reduzir o preço do transporte de energia. Não faz sentido, por exemplo, a construção de uma usina eólica no Nordeste para levar energia ao Sudeste, quando nessa região temos uma grande oferta de biomassa.
Outra fonte que o Brasil precisa explorar melhor são as térmicas a gás natural. Elas podem desempenhar dois papéis fundamentais no setor elétrico.
O primeiro é o de passar a regular a oferta de energia, papel que era exercido pelas hidrelétricas com reservatório. Isso porque, além das térmicas a gás não dependerem do clima, no futuro teremos uma grande oferta de gás nacional que virá do pré-sal.
O segundo é de exercer, também, o papel de backup. Como o nome já diz, as fontes intermitentes não geram o tempo todo e, enquanto não forem desenvolvidas baterias eficientes para armazenar esta energia, as térmicas a gas servem como backup do sistema.
Finalmente, as térmicas a gás natural são as que menos afetam o meio ambiente, ao contrário das térmicas a diesel, óleo combustível e carvão.
O setor elétrico brasileiro não precisa ficar na dependência nem de São Pedro nem de São Judas, o padroeiro das causas perdidas. Ajustes em nossa estratégia de leilões e um uso inteligente de uma fonte de energia até agora negligenciada, como o gás natural, podem fazer a diferença entre um sistema confiável, com modicidade tarifária, e outro no qual a luz pisca de vez em quando.
Adriano Pires é fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), uma consultoria no setor de energia. Foi superintendente da Agência Nacional do Petróleo (ANP). É economista pela UFRJ e doutor em economia industrial pela Universidade Paris XIII.