Pelo segundo janeiro consecutivo, Minas Gerais está se deparando com as consequências do manejo irresponsável do meio ambiente.
Na semana em que a tragédia de Brumadinho completa um ano, mais de 50 pessoas já morreram, muitas mais estão desaparecidas e cerca de 50 mil foram desalojadas ou desabrigadas em diversas regiões do estado.
As chuvas mais fortes já registradas na história de Belo Horizonte destruíram casas e encostas, transformaram avenidas em rios violentos e não discriminaram entre ricos e pobres.
A destruição da infraestrutura urbana já causou um prejuízo da ordem de R$ 300 milhões, e há previsão de mais chuvas fortes para as próximas semanas, um alerta vermelho para o sobrecarregado sistema de defesa civil da cidade.
O diagnóstico do problema é conhecido, e não é exclusividade dos mineiros.
Nos anos 60, a urbanista americana Jane Jacobs postulou a tese do “tráfego induzido”: ela explicava que, para cada novo túnel ou via expressa construídos, mais incentivava-se o transporte individual em detrimento do coletivo. Além disso, o solo impermeabilizado por mais concreto e asfalto causaria aumento no volume de água e na velocidade das enchentes, principalmente em cidades com topografia acidentada.
Já nos anos 2000, Paulo Maluf prometia encobrir os rios Tietê e Pinheiros para criar mais pistas para automóveis nas Marginais. José Serra, enquanto governador, gastou o equivalente a quase 4 bilhões de reais em valores corrigidos para acrescentar algumas pistas nas Marginais, onde o transporte individual é dominante. João Doria foi eleito prefeito, em 2016, prometendo mais velocidade nas Marginais.
Em 1970, a maior cidade do país construiu seu Minhocão (Paulo Maluf, novamente) quando Nova York já havia proibido, anos antes, a construção de um elevado similar, que depreciaria e destruiria áreas residenciais com muito potencial no sul de Manhattan. Cidades brasileiras, de São Paulo a Salvador, continuaram a fazer monotrilhos, já neste século, repetindo os mesmos erros do Minhocão, e novamente sobre o leito de rios.
Belo Horizonte foi concebida, no final do século XIX, com o Ribeirão Arrudas cortando sua planta original. A área construída se expandiu nos últimos 121 anos e passou a ocupar também outras bacias hidrográficas. Uma complexa rede de córregos, sempre vista como empecilho pelos governantes, corre hoje silenciosamente sob a terra e revela seu potencial destrutivo colossal às primeiras chuvas de verão.
A solução do problema também é conhecida. O Plano Diretor de Drenagem Urbana de Belo Horizonte, por exemplo, existe desde pelo menos 2001, quando foi concluída sua primeira fase de diagnóstico de bacias hidrográficas. Suas diretrizes apontam na direção correta: priorizar a reintegração dos recursos hídricos naturais ao cenário urbano, em detrimento da utilização da canalização como solução única para a drenagem. Cita ainda outros objetivos, como melhorar as condições ambientais e sanitárias dos locais mapeados, reduzir os riscos de inundações e promover o reassentamento de famílias que vivem em áreas de risco.
As mudanças climáticas aceleraram os efeitos catastróficos dos já ineficientes planejamentos urbanos das cidades brasileiras. Um estudo de 2016 da Way Carbon em parceria com a prefeitura indica um aumento de 32% na vulnerabilidade de Belo Horizonte às mudanças climáticas em relação especificamente a eventos associados a chuvas intensas. Aponta também para um cenário preocupante para o ano de 2030, com a ampliação das áreas de risco e incidência mais forte de doenças como a Dengue, relacionadas diretamente à chuva.
A fim de evitar “reinvenções da roda” e retrabalhos eleitoreiros, comuns a nossas administrações públicas, qualquer planejamento hoje deve partir dos diagnósticos já realizados ao longo dos últimos anos.
No curto e médio prazo, as cidades precisam incentivar soluções descentralizadas de aumento da permeabilidade dos solo. Edificações antigas e novas podem contribuir acumulando água das chuvas, diminuindo o volume e a força do escoamento pluvial das ruas. Parques e jardins permeáveis, distribuídos pela mancha urbana, também podem contribuir nesse sentido.
A longo prazo, é preciso que a relação das cidades com seus cursos d’água seja radicalmente transformada. Cidades como Toronto e Seul repensaram o papel de seus rios e áreas verdes, que passaram de problema a solução contra a poluição, enchentes e figuram como alternativas de mobilidade e lazer para a população.
Prefeitos, de Londres a Barcelona, de Medellín a Nova York, têm um grande urbanista em sua equipe. De nada adianta consultar-se anos a fio com advogados, economistas, gestores, mas cair sempre no papo mais picareta e desinformado quando se trata de escolhas que afetarão a vida na cidade por décadas. Ter alguém gabaritado, com acesso aos gabinetes, poderia evitar a enxurrada de decisões erradas tomadas no âmbito municipal Brasil afora.
Gabriel Azevedo é vereador (sem partido) em Belo Horizonte.
Raul Juste Lores é um jornalista especializado em arquitetura e urbanismo, editor da revista VEJA SP e autor do livro “São Paulo nas alturas”.
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