“Arquitetura e urbanismo não deveriam ser itens supérfluos na lista de compras dos governos, grandes empresas e construtores”, afirma Raul Juste Lores no recém-lançado “São Paulo nas alturas” (Editora Três Estrelas, 291 páginas, R$50,23 na Amazon).  

Ao ler o livro, é inevitável concluir que esses temas deveriam também fazer parte das reflexões de qualquer morador de cidade, de qualquer cidadão.

10336 756fe1d9 d168 0005 1e41 a8a2d31b789eO livro foca num momento especial de São Paulo: os anos 1950 e 1960, em que a boa arquitetura se juntou ao mercado imobiliário para criar prédios icônicos e indicar o caminho para uma cidade melhor e mais inclusiva.
  

Infelizmente, essa conversa entre os arquitetos e o mercado foi interrompida: o poder público parece ter abandonado o desejo de criar cidades melhores, e os arquitetos se afastaram dos empreendedores. Novas leis e regras provocaram o espraiamento da cidade, e o fim do incentivo à pesquisa e dos concursos de arquitetura acabou por matar a ousadia e reduzir a possibilidade de inovação, seja no design, na tecnologia ou na construção.
 
O resultado foi o caos urbano e a baixa qualidade da paisagem construída — brasileira e paulistana.

Hoje a cidade parece ensaiar uma reação.  A população tem ocupado os espaços públicos e se tornado mais ativa nas discussões sobre as decisões que a afetam. Os debates sobre urbanismo se popularizam — e a publicação de ’São Paulo nas alturas’ atesta esse interesse crescente.

Cada vez mais fica claro que é preciso superar a desconfiança ancestral com o mercado, as incorporadoras e os construtores para voltar a pensar em uma arquitetura e um urbanismo de excelência, voltado para as pessoas.

O livro é um passeio por episódios curiosos, divertidos e interessantes — uma fotografia de um Brasil que ainda acreditava em si mesmo.

O leitor de hoje se surpreenderá com a revelação de como dois jovens de 32 anos, Roxo Loureiro e Octavio Frias, fundaram o Banco Nacional Imobiliário (BNI) e anos depois, percebendo uma oportunidade num negócio fracassado no Rio, acabaram construindo o Copan.

Raul nota que, naquela época, muitos dos prédios icônicos do centro de São Paulo foram construídos à base de mensalidades.   “Projetava-se um prédio, juntavam-se 50 interessados, e se todo mundo pagasse o prédio ficava pronto.”  Mais tarde, a construção de Brasília inflacionou o preço dos materiais e acabou inviabilizando o término de vários prédios: ou os incorporadores não conseguiam obter os materiais pelo preço orçado, ou os mutuários não conseguiam pagar suas mensalidades.

Assim como no panorama político, em que se torna cada vez mais claro que apenas com a participação de todos os atores (empresários, gestores, políticos, sociedade civil) poderemos reconstruir o país, a arquitetura demonstra que não se pode fazer uma cidade inclusiva e viva sem ouvir todas as vozes que a compõem, sem negociação. 

O conhecimento das experiências do passado é indispensável para entendermos os caminhos que nos conduziram até aqui e para que possamos pensar em soluções para a metrópole em que vivemos.  Apoiado em uma pesquisa exaustiva, repleto de dados e informações, ‘São Paulo nas alturas’ conta ao leitor essa história quase esquecida. Ao mesmo tempo, descreve os ícones da cidade e apresenta as personagens que os construíram,  mostrando o contexto social e econômico em que se inserem, numa leitura reveladora não só para quem gosta de arquitetura e de São Paulo, mas para todos que queiram entender as cidades, seus desafios e complexidades.

Mas será possível inovar e ousar na arquitetura quando um País vive em crise?

Raul termina o livro com uma nota de otimismo: “São Paulo tem 15 mil arquitetos em 2017, cinquenta vezes mais do que naquele luminoso 1954 do Quarto Centenário. Já provamos que somos capazes de fazer com muito menos. Temos de colocar essa sabedoria na rua”.


Marisa Moreira Salles é fundadora do Arq.Futuro, uma plataforma de discussões sobre arquitetura e urbanismo.