O mundo dos musicais mudou em 26 de setembro de 1957, quando entrou em cartaz West Side Story – o espetáculo inspirado em Romeu & Julieta, de William Shakespeare, mas transposto para as ruas de Nova York.
Criação conjunta do compositor e maestro Leonard Bernstein, do coreógrafo Jerome Robbins, do libretista Arthur Laurents e do letrista Stephen Sondheim, West Side Story modernizou o gênero, trazendo para o universo da Broadway influências da escola erudita e da música latina, inovando na coreografia, e tratando de assuntos como racismo e intolerância.
“West Side Story mostrou que até os temas mais espinhosos podem ser levados para o mundo dos musicais,” disse certa vez o libretista Laurents. Embora tenha estreado há mais de meio século, a trama permanece atual.
Agora, a mais recente encarnação brasileira estreia nesta sexta-feira no Theatro São Pedro, em São Paulo, com direção de Charles Moeller e Claudio Botelho (também responsável pela versão em português).
Desde 2018 Moeller e Botelho sonhavam em levar para os palcos o romance amaldiçoado entre o descendente de irlandeses Tony e a porto-riquenha Maria. “Bernstein foi uma das figuras mais importantes da cultura americana, um autor que levou a linguagem erudita para o mundo dos musicais,” diz Moeller.
Em 1949, Bernstein já era um compositor prolífico e respeitado, tendo composto o Concerto para Clarinete, duas sinfonias, o balé Fancy Free e o musical On the Town quando foi procurado, juntamente com Laurents, pelo coreógrafo Jerome Robbins.
Robbins acenou com a possibilidade de o trio criar um espetáculo musical baseado em Romeu & Julieta.
East Side Story seria passado no lado leste de Nova York e teria como tema principal a relação entre uma judia sobrevivente do Holocausto e um católico irlandês. O projeto foi arquivado por discordâncias criativas entre o trio.
Seis anos depois, eles voltaram a conversar, dessa vez com a adição do letrista Stephen Sondheim – mas a ação da história passou por uma mudança significativa. Durante uma estadia em Los Angeles, Laurents e Bernstein se depararam com a história de um imigrante mexicano, membro de uma gangue, que havia sido assassinado por rivais. A dupla teve a ideia de transferir a trama para o lado oeste de Nova York, então povoado por irlandeses e porto-riquenhos.
Nascia West Side Story.
Bernstein e Robbins eram criadores com temperamento forte. Durante os ensaios, atracavam-se com a voracidade dos Jets e dos Sharks, as gangues que compõem a trama. Robbins, por exemplo, chegou a achar que a orquestra tinha “instrumentos demais” e desfalcou Bernstein de músicos. O regente, claro, estrilou com a mudança e ameaçou abandonar o espetáculo.
Adepto do estilo rígido de atuação do Actor’s Studio, Robbins levou a rivalidade das gangues para o grupo de atores. Sharks e Jets eram proibidos de se socializar ou dividir camarins.
A coreografia usou para os homens passos frenéticos e rudes, inspirados no jazz; o bailado sensual das meninas era inspirado no flamenco. Os dois estilos são postos lado a lado em vários momentos e chegam a seu ápice na cena do baile, onde o casal Tony e Maria se encontra e se apaixona.
A brutalidade com a qual Jets e Sharks batalham na pista de dança é suavizada pela presença dos amantes. Encenações recentes de West Side Story não têm se utilizado da coreografia original. Moeller, contudo, fez questão que ela fosse mantida na versão do Theatro São Pedro.
“Ela ajuda a contextualizar a trama e é um passo para a mudança de estilo coreográfico na Broadway,” justifica.
A música de Bernstein e as letras de Sondheim estão entre as mais brilhantes da história do teatro musical. O regente nunca escondeu sua paixão por gêneros musicais ditos populares – e aqui, incluiu jazz e música latina ao lado de sua formação erudita.
“Temos polca e trechos que são claramente inspirados em Mahler,” diz Claudio Cruz, o regente do espetáculo. “Maria é puro Mahler”.
As récitas vão desafiar o maestro. Sua única referência da obra era a versão conduzida por Bernstein na qual os líricos Kiri te Kanawa e José Carreras eram Maria e Tony – e estavam bem longe da performance de um musical.
O Brazil Journal teve acesso ao primeiro ensaio do elenco no Theatro São Pedro. Beto Sargentelli e Giulia Nadruz, como Tony e Maria, têm uma ótima química. Sargentelli inclusive dá cores ao personagem, que eu particularmente sempre achei meio apagado; as cenas em que os dois cantam Tonight e Somewhere são emocionantes.
Giulia, que protagonizou a montagem de O Fantasma da Ópera há alguns anos, faz bom uso de sua voz de influência lírica em números que exigem uma performance quase sobrehumana. Ingrid Gaigher, no papel de Anita, tem a sensualidade, o poder de interpretação e o talento como dançarina fundamentais para o papel. Guilherme Logullo, como Bernardo, e André Torquato, como Riff, parecem ter nascido para interpretar esses personagens.