NOVA YORK – “Eu gostaria que os brancos parassem de achar que a nossa floresta está morta e que ela é localizada aqui sem razão,” diz a frase do xamã Davi Kopenawa que abre a exposição The Yanomami Struggle.

Em cartaz até 16 de abril no majestoso centro de arte contemporânea The Shed, a mostra revela 200 fotografias feitas pela fotógrafa e ativista Claudia Andujar, hoje com 91 anos, e mais 80 desenhos e pinturas, além de vídeos assinados por artistas e cinematografistas yanomamis.

Davi Kopenawa YanomamiHá também uma linha do tempo traçando a história de vida de Claudia com o povo indígena. “Ela é como uma mãe para nós,” disse Kopenawa, o principal porta-voz de sua comunidade, no evento de abertura.

Em 1978, Claudia co-fundou a Comissão Pró-Yanomami, plantando a semente que resultou na demarcação do território indígena em 1992. Poucos anos antes, mais de 200 mil yanomamis perderam a vida por causa de garimpo ilegal em suas aldeias.

A exposição fotográfica nasceu no Instituto Moreira Salles em 2018 e – ao passar por Paris, Milão, Londres, Barcelona e Winterthur, na Suíça – passou a agregar obras de André Taniki, Ehuana Yaira, Joseca Mokahesi, Orlando Nakɨ uxima, Poraco Hɨko, Sheroanawe Hakihiiwe, and Vital Warasi.

“Os Yanomamis fazem arte para proteger seu território e preservar a floresta,” diz Hervé Chandès, diretor artístico da Fondation Cartier, que mantém uma relação com o trabalho dos yanomamis há 20 anos. A fundação foi assessorada pelo antropólogo francês Bruce Albert, autor do livro “A Queda do Céu”, co-escrito com Kopenawa. O título é uma metáfora do fim da civilização.

A população yanomami é estimada em 54 mil pessoas, sendo que 29 mil vivem em 366 comunidades em Roraima e no Amazonas. O restante habita a região da Venezuela que faz fronteira com o Brasil.

Os yanomamis relutam em expor imagens de parentes já falecidos porque acreditam que ao deixar marcas pelo mundo,  suas almas não alcançam o céu. Mas para revelar sua cultura para além de seu território, deram carta verde a Claudia: além de artísticas, suas fotos são documentais.

O timing da exposição traz um grito de urgência. Mesclando roupas de inverno e cocares, além de falar à comunidade internacional sobre sua cultura, eles mencionaram repetitivamente seus avós, uma geração assassinada pelo garimpo ilegal. Um deles vestia uma camiseta com os dizeres: “O povo que segura o céu.”

“Em 2018, organizei esta mostra para honrar esta geração e homenagear uma luta que tinha dado certo, depois dos anos de extermínio, violência e ignorância ocorridos na época da ditadura,” Thyago Nogueira, curador de fotografia contemporânea do Instituto Moreira Salles, disse ao Brazil Journal. “As pessoas precisavam saber que acima de tudo, o trabalho da Claudia teve uma função política.”

“Nos últimos anos, vimos a política se transformar e nos jogar novamente no meio da mesma ignorância e violência. Talvez ainda numa escala pior e mais poderosa. Trata-se de uma micro história do nosso País que reflete a forma como enxergamos os outros povos que habitam o mesmo planeta,” disse Thyago.

CLAUDIA ANDUJARSegundo o Instituto Socioambiental, o garimpo ilegal na região cresceu 54% em 2022.  Além disso, o monitoramento da Hutukara Associação Yanomami aponta que entre outubro de 2018 e dezembro de 2022 o crescimento acumulado do desmatamento associado ao garimpo foi de 309%. Foram mais 3.817 hectares, totalizando hoje mais de cinco mil hectares aniquilados. Ambas organizações participaram da mostra.

Claudia Andujar conhece violência de perto. Nascida Claudia Haas, na Suíça, ela é filha de um pai judeu húngaro e uma mãe protestante. Na infância, sua família mudou-se para a Transilvânia. Na Segunda Guerra Mundial, seu pai e outros integrantes da família foram confinados em um gueto, e de lá exterminados nos campos de Auschwitz e Dachau. Claudia e sua mãe fugiram da Europa, e chegaram em São Paulo.

Na juventude, depois de passar alguns anos em Nova York, ela retornou ao Brasil, ingressando como fotojornalista na revista Realidade. Aos 40 anos, em 1971, uma de suas reportagens a levou para a Amazônia.

Seu primeiro contato com os yanomamis tornou-se sua missão de vida. “Há 50 anos tenho um compromisso com eles. É muito tempo,” disse ela no evento de abertura do Shed.

Na década de 70, as imersões de Claudia na comunidade yanomami foram financiadas pela Fundação Guggenheim. Aos poucos, ela ganhou confiança para fotografá-los, vestindo-se como eles, e aprendendo suas tradições.

Há fotos de crianças, de famílias, de rituais, da relação com a água, e com a floresta.  Nenhuma foto é estática. Um dos painéis, por exemplo, revela imagens feitas em duas sessões que, por engano, Claudia fotografou no mesmo filme. O que era para ter sido um erro tornou-se um ponto belíssimo da exposição.

Em meio a este encantamento, um vídeo feito por um yanomami mostra garimpeiros passando de barco por uma aldeia, atirando deliberadamente na população à beira d’água. 

De Nova York, a mostra segue para um tour pela América Latina.

THE SHED
545 W 30th Street em Manhattan.

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