As intempéries que se avolumam sobre a economia brasileira estão transformando a vida das empresas numa panela de pressão, com riscos iminentes ao nível de emprego e à estabilidade econômica.
Com a Selic estacionada em 13,75%, cada vez mais empresas estão trabalhando apenas para pagar sua despesa financeira, deixando nada na mesa para acionistas e muito menos para investimento no futuro.
Numa entrevista ao Brazil Journal que vai ao ar esta semana, o banqueiro Ricardo Lacerda, do BR Partners – que está trabalhando na reestruturação da dívida de empresas como Lojas Marisa e CVC – disse que a lista de nomes que precisarão negociar com os credores está aumentando de forma preocupante, dada a deterioração dramática das condições de liquidez da economia.
No mercado secundário de dívida, os créditos mais conservadores do País estão pagando taxas impensáveis até pouco tempo atrás: Localiza e Cosan, por exemplo, estão pagando IPCA + 8,7% e IPCA + 8,5% respectivamente.
Gestores de investimento e executivos de empresas estão assustados com a velocidade da deterioração das expectativas – que começam a se refletir em previsões de PIB cadentes para este ano e o próximo.
Obviamente, o Palácio do Planalto não dará o braço a torcer sobre sua responsabilidade por este cenário.
Na política, todo mundo já entendeu que o Presidente Lula voltou ao Poder não como representante da frente ampla anti-Bolsonaro que o elegeu – e sim como arauto das mesmas ideias econômicas atrasadas que produziram o desastre épico do Governo Dilma, desta vez turbinadas por um Presidente mais emotivo e sem amigos dispostos a lhe dizer a verdade.
Neste quadro, o Governo responderá à crise que se aproxima fazendo mais do mesmo – transformando o BC no bode expiatório da Selic gorda – sem jamais admitir que seus discursos populistas e decisões temerárias têm contribuído diariamente para agravar o quadro.
Enquanto parte do Governo diz compreender a necessidade de estabilizar a trajetória da dívida pública, a outra parte (a que manda) questiona e sataniza todas as conquistas recentes do País, do teto de gastos à independência do BC, da lei das estatais à política de preços da Petrobras.
Eterno dono do monopólio da verdade, o PT adora os verbos “debater” e “discutir”, mas só ouve sua própria voz.
Mas apesar do Governo – e não por causa de sua cruzada contra o Banco Central – o mais provável é que a Selic começará a cair em breve, dado que a razão de ser dos bancos centrais é o duplo mandato de “estabilidade de preços” e compromisso com o “pleno emprego” – e de nada vale uma inflação suíça em meio a um ambiente de negócios argentino.
Além disso, quebras de empresas em série poderão criar problemas com os quais o BC não tem que lidar há anos.
O juro baixo é o pau do circo – é o que sustenta tudo.
Desde a primeira eleição de Lula em 2002, o Brasil mudou muito – e o nível da taxa de juros passou a ser ainda mais crítico ao funcionamento saudável da economia.
Desde janeiro de 2003, o primeiro mês do Lula 1, o endividamento total das pessoas e das empresas passou de 26% do PIB para 52,5% do PIB.
Ou seja, um juro alto agora tem um impacto muito pior sobre a economia do que 20 anos atrás.
Nos últimos 20 anos, outra novidade aconteceu. Em vez de tomarem dinheiro só no banco, as empresas passaram a tomar emprestado com as pessoas – aprofundando o chamado mercado de capitais. Se o Presidente pesquisar, vai descobrir metalúrgicos de São Bernardo e dentistas de Garanhuns entre os milhões de pequenos poupadores/investidores que têm sua açãozinha da Petrobras e uma conta na XP.
O total levantado pelas empresas junto a esses investidores (que não são bancos) passou de 2% do PIB em 2016 para quase 7% do PIB ano passado.
O juro alto destrói esses investimentos e adia a aposentadoria do brasileiro que lutou muito para conseguir poupar. Além de investir, esses brasileiros também têm o costume de votar a cada quatro anos.
Gerar um ambiente propício à queda da Selic deveria ser a prioridade zero do Governo — porque é possível manter parte do eleitorado feliz com o Bolsa Família, mas é impossível chegar a um final de mandato feliz com quatro anos de juros altos.
É o juro baixo que cria o círculo virtuoso de investimento, emprego e renda: os empreendedores tomam risco, assinam carteiras e fazem novas fábricas. O dinheiro circula, criando oportunidade para quem mais precisa.
Já o juro alto empurra o capital para uma longa hibernação em contas remuneradas. O rico continua protegido; o pobre se estrepa.
O Banco Central ia começar a cortar os juros em 2023, mas o Presidente se colocou no caminho: decidiu fazer (apenas) discursos contra a pobreza, em vez de tomar decisões pragmáticas que realmente ajudariam os juros a cair, gerando empregos e renda no mundo real.
Se o Planalto não trabalhar para reverter este clima, a velha frase de que “todo mundo ganhou dinheiro” no Lula 1 dará lugar a “todo mundo perdeu” no Lula 3, e o Lula que o mundo aplaude por seu compromisso ambiental logo será lembrado por uma economia rastejante.
Presidente, sua opção preferencial pelos pobres não é incompatível com decisões econômicas racionais — ao contrário, uma depende da outra. Traga de volta a “paz e amor.” O fígado não é bom conselheiro.
AINDA SOBRE O LULA3
Cuidados com os puxa-sacos, Presidente