Caro Zero Um,
O Brasil que o senhor assume hoje é um País polarizado em muitos aspectos, mas unido por um desejo comum: o de que a economia volte a funcionar para todos.
Nada definirá seu mandato mais do que sua capacidade de colocar as fábricas para produzir, os empresários para investir e os consumidores para gastar e poupar.
A boa notícia é que o Brasil está pronto para uma ruptura na economia.
Não aquela ruptura aventureira de Fernando Collor, tampouco a heterodoxa de José Sarney. O primeiro expropriou as contas bancárias; o segundo congelou preços. Ambos rasgaram contratos, tripudiaram sobre as leis básicas da economia e foram tragados pela História, que os lembrará como personagens menores.
A ruptura que o Brasil espera é o choque de capitalismo que há tanto tempo adiamos (sempre com uma desculpa diferente), num autoengano que só produziu pobreza e mediocridade.
Tenha coragem, Presidente.
Como dizem nas startups, “don’t be afraid to break things”. A inércia já custou mais a este País do que qualquer tentativa de reforma que deu errado — exceto, claro, as tentativas irresponsáveis já mencionadas.
Até agora, todos os sinais enviados pelo seu Ministro da Economia apontam na direção correta.
Pessoas razoáveis podem discordar de Paulo Guedes sobre o “como fazer”, mas há um consenso entre os economistas sérios de que a direção proposta por ele está não apenas correta, como chega com atraso de pelo menos 30 anos.
Talvez o senhor não acredite, mas a data de hoje é mais significativa para seu ministro do que será para o senhor. Guedes sonha em reformar a economia brasileira (tendo Roberto Campos como inspiração) muito antes do senhor sonhar ser Presidente. A hora é agora.
Ouse, Presidente.
Ouse na abertura da economia. Dirão que o senhor vai “quebrar a indústria”, mas a concorrência é a essência do capitalismo, e todo empresário já deveria estar preparado para o dia em que o Brasil quebrar a redoma.
Ouse desburocratizar. Tire os cartórios de nossas costas. Dispense os carimbos, detone as segundas vias, aposente este lado ruim da nossa herança ibérica.
Ouse privatizar. Encare de frente as “vacas sagradas” e não se deixe levar pelas sereias do gradualismo e do “ativo estratégico”: elas vão dragá-lo para o fundo do mar, uma terra opaca onde vários navios já encalharam.
Substitua o paternalismo de Getúlio Vargas pela ambição de Guilherme Benchimol, André Street ou até mesmo Eike Batista. (Nenhum de nós é perfeito, mas todos eles encarnam o empreendedorismo contagiante que mobiliza a energia criativa da moçada e põe o Brasil para acordar cedo e sonhar grande.)
Use o púlpito da Presidência para celebrar os brasileiros que criam coisas invejáveis, que vão contra o status quo e obrigam seus concorrentes a se reinventar.
Acredite na concorrência, Presidente. Crie um ambiente que favoreça o surgimento de mais bancos, estradas, portos, companhias aéreas, empresas de tecnologia. O empresário merece regras claras, mas tem que se virar; é o consumidor que precisa ser tratado como rei. Se não for assim, tem algo errado.
Cuidado com as distrações. Gustavo Franco resumiu tudo: “Não se meta a ser Trump fora do contexto, nossos temas são outros: esqueça Jerusalém e a China.”
O senhor não é uma unanimidade, e sua popularidade se esvanecerá se, em dado momento, o brasileiro não estiver mais confiante na economia, ou se ele ou seu vizinho não tiverem finalmente conseguido um emprego.
Acima de tudo, Jair, não tenha preconceitos. Desconfie de suas velhas ideias e aposte todas as fichas na ciência. Deus é Poder, mas Ele só ajuda quem cedo madruga. Rezar é bom, mas trabalhar é que faz o milagre.
Respeite a diferença entre Estado e Governo, e a linha entre igrejas e Estado. Isto sim é sagrado. Não se perca na pauta de costumes. Ela foi boa para mobilizar uma parte da sua base, mas será um fardo para governar: vai gerar muito calor e pouca luz. (Aliás, num País desesperado por mudança, o senhor só não teve mais votos porque algumas de suas opiniões sobre as diferenças machucaram e alienaram muita gente. Não tenha compromisso com o que cheira a naftalina.)
Na campanha, o senhor se mostrou um homem humilde. Foi o primeiro (e único) a dizer que não entende de economia, e não teve vergonha de delegar. Não deixe que o Palácio te mude, que a vaidade te seduza. Sua antecessora achava que entendia de todos os assuntos mais do que qualquer ministro. Veja onde o País acabou.
A economia definirá seu lugar na História. Todo o resto será barulho, supérfluo ou divisão.
Boa sorte.