A No. 2 do Facebook, Sheryl Sandberg, disse certa vez que o ‘Culture Deck’ — um compilado de 127 slides que resume a cultura empresarial da Netflix — foi o documento mais importante já escrito no Vale do Silício.
Reed Hastings, o fundador e CEO da Netflix, não esconde de ninguém que foram os slides simples e pouco ortodoxos que permitiram transformar a pequena startup de aluguel de DVDs num colosso do streaming com quase 200 milhões de assinantes e receita de US$ 20 bilhões.
Mas o que, afinal, a cultura Netflix tem de especial?
Em “A regra é não ter regras”, livro lançado globalmente esta semana (no Brasil, pela Intrínseca), Hastings responde a esta pergunta detalhando em 320 páginas como construiu a cultura Netflix e os desafios que enfrentou no caminho.
Hastings também explica como uma cultura em oposição direta a tudo que se acreditava sobre psicologia, negócios e comportamento humano conseguiu gerar resultados tão impressionantes.
O livro foi escrito em parceria com Erin Meyer, professora da INSEAD Business School e autora do livro “The Culture Map”. Hastings deu acesso inédito a Meyer, que nos últimos três anos entrevistou mais de 200 funcionários da Netflix no Vale do Silício, Hollywood, São Paulo, Amsterdã, Cingapura e Tóquio.
Hastings começou a desenvolver sua visão empresarial em sua primeira startup, a Pure Software. Na medida em que ela crescia, Hastings começou a implementar diversas regras e políticas que acabaram minando a inovação — fazendo com que a empresa perdesse agilidade e fosse engolida por sua principal concorrente.
Quando fundou a Netflix, decidiu que faria tudo diferente, implementando uma cultura que ele chama de “liberdade e responsabilidade”.
“Se você dá mais liberdade a seus funcionários em vez de criar processos para impedir que eles exerçam seu próprio julgamento, eles vão tomar decisões melhores e será mais fácil responsabilizá-los,” Hastings escreve no livro.
Segundo ele, isso cria um ambiente de trabalho mais feliz e inovador e faz com que os funcionários tenham mais autonomia nas decisões.
Mas para reduzir controles, é preciso criar um ambiente que permita isso. Hastings explica que antes de abrir mão das regras é essencial fortalecer dois aspectos: construir o que ele chama de “densidade de talentos”, e aumentar o diálogo estimulando o feedback entre os funcionários.
“Ao construir uma organização composta de profissionais de alta performance, você pode eliminar a maior parte dos controles. Quanto maior a densidade de talentos, maior a liberdade que você pode oferecer.”
O livro mostra como Hastings chegou à conclusão sobre a tal ‘densidade de talentos’.
No início dos anos 2000, a Netflix teve que demitir um terço dos funcionários em meio ao estouro da bolha da internet. Hastings escolheu os 80 funcionários de melhor performance e demitiu o restante. O resultado: mesmo com 33% de funcionários a menos, a performance e produtividade da empresa melhorou drasticamente.
“Tínhamos uma quantidade menor de talentos de modo geral, mas a quantidade de talento por funcionários era muito maior. Nossa ‘densidade de talento’ tinha aumentado,” diz ele no livro.
A conclusão a que Hastings chegou é que ter funcionários com performances medíocres acaba prejudicando o desempenho de toda a equipe.
“Se você tem um time com cinco funcionários excepcionais e dois apenas adequados, os adequados vencem.”
O livro também descreve como a Netflix conseguiu construir o impensável: um ambiente de trabalho em que dar feedback para um colega é tão comum quanto dar “bom dia” — e em que todos se sentem à vontade com isso e sem o ego ferido.
Hastings diz que o primeiro passo para que isso seja possível é pedir que os funcionários dêem feedbacks sobre seus chefes, e garantir que eles se sintam seguros ao fazer isso.
Apesar do sucesso inegável da Netflix, a cultura da empresa não é uma unanimidade — e definitivamente não é para qualquer um. Meyer conta no livro que sua primeira impressão sobre a cultura Netflix foi negativa (ela chegou a compará-la ao filme “Jogos Vorazes” e a questionar como as pessoas poderiam se sentir seguras “para sonhar e tomar riscos” se estavam sendo injetadas diariamente com medo).
Mas, para sua surpresa, as pesquisas que fez com os funcionários da Netflix mostraram um alto grau de satisfação.
Mais que apenas um livro de negócios, “A regra é não ter regras” é uma viagem pela cabeça de um dos empreendedores mais bem sucedidos (e improváveis) das últimas décadas — e leitura obrigatória para quem está criando uma startup ou tentando adaptar seu negócio à realidade volátil da era digital.
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