Quando seu pai estava à beira da morte, Tom Almeida contrariou os médicos que queriam mandá-lo para a UTI. De madrugada, no quarto, pediu morfina para aliviar o sofrimento do pai. Ouviu que aquilo seria perigoso. 

“Perigo de quê? De ficar viciado? De morrer?”, reagiu. 

10798 38e903d7 29c7 3508 e715 03c443f2a307“Na faculdade, os estudantes de medicina são treinados para curar a doença – e não para cuidar do paciente. Em uma cultura que tem a morte como tabu, que não aceita a morte, uma vez que não há mais nada a fazer, o paciente é levado para uma UTI, e fica lá sedado, como um boneco. Isso impede o amor, a conexão,” diz Tom, que se tornou um ativista pelos cuidados paliativos, um movimento que prega a humanização dos procedimentos que antecedem a morte de uma pessoa terminal. 

Depois de 15 anos no mundo corporativo, cuidando do marketing de grandes marcas multinacionais, Tom estava em um sabático nos EUA, fazendo cursos de coaching e liderança, quando a morte cruzou seu caminho: primeiro levou sua mãe, depois um primo mais novo e muito próximo.

É um olhar para o paciente que recebe um diagnóstico sem cura por meio de medidas de alívio de sofrimento: cuidando dos sintomas e não da doença em si. O tratamento multidisciplinar foca no alívio da dor e no bem-estar físico, social, psicológico e espiritual.

O movimento ganhou força nos anos 80 com a epidemia da Aids. Hoje nos EUA, mais de 80% dos hospitais contam com alguma equipe de cuidados paliativos. 

O Brasil não é exatamente um bom lugar para se morrer: a chance de uma pessoa receber cuidados paliativos no país é de 0,3%, segundo levantamento da Economist Intelligence Unit. No ranking de Qualidade da Morte, da EIU, o país ocupa a 42ª posição dentre 80 países. 

Apenas 177 hospitais no Brasil – menos de 10% – contam com equipes de cuidados paliativos. 

No livro A Morte é um dia que vale a pena viver, a médica Ana Claudia Quintana, uma das maiores especialistas em cuidados paliativos do Brasil, diz, “Os cuidados paliativos podem ser úteis em qualquer fase da doença, mas sua necessidade e seu valor ficam muito mais claros quando a progressão atinge níveis elevados de sofrimento físico e a medicina nada mais tem a oferecer. Fecha-se, assim, o prognóstico, e anuncia-se a proximidade da morte: – Não há nada mais a fazer. Mas descobri que isso não é verdade. Pode não haver tratamentos disponíveis, mas há muito mais coisa a fazer pela pessoa que tem a doença.” 

A vontade de falar sobre o tema também é crescente: há blogs como Morte sem Tabu, de Camila Appel, que existe desde 2014, e podcasts como o Finitude

Tom também se tornou uma espécie de empreendedor social da morte.

No mês passado, seu festival inFinito atraiu cerca de 300 pessoas/dia ao longo de uma semana para uma programação de workshops e palestras sobre viver e morrer em toda a plenitude. 

O festival se inspira no “Reimagine End of Life” e no “End Well”, que ocorrem em Nova York e San Francisco.

Tom também criou o Cineclube da Morte – evento que atrai cerca de 100 pessoas todo mês para uma sessão de cinema no Belas Artes, em São Paulo. O Cineclube da Morte nasceu em 2017 e este ano chegou a Salvador. Em breve: Belo Horizonte, Curitiba e Rio de Janeiro.

Para quem preferir uma conversa ao redor da mesa, Tom trouxe para o Brasil o Death over Dinner, que aqui se chama A Morte no Jantar, uma plataforma gratuita que ajuda as pessoas a organizar jantares para falar sobre a morte – com templates para convites e roteiros para iniciar as conversas.

O InFinito.etc – que reúne as diferentes frentes abertas por Tom – é o primeiro investimento social do Boa Partida, espécie de hub de startups sociais do Instituto Olga Rabinovich, criado para difundir o conceito de cuidados paliativos e inspirar empresas a abraçar a causa. 

Tom vê oportunidades de negócios na morte. “Com o envelhecimento populacional, há uma demanda crescente por cuidados para o fim da vida, como clínicas de cuidados paliativos – conhecidos nos EUA como hospice.”  

Foi uma longa jornada até Tom conseguir chegar numa morte plena com o pai. “Quando o meu pai morreu, eu já estava muito mais empoderado para não ficar refém de procedimentos médicos e hospitais e garantir uma morte mais humanizada para ele.”

Três anos antes, a mãe havia morrido na UTI, sedada, sem que os filhos pudessem se despedir e compartilhar a intimidade dos últimos momentos. 

“Quando meu pai partiu, ele estava no quarto do hospital. Pedi para os enfermeiros saírem e fiz a barba dele – que sempre foi um ritual nosso. Foi meu último ato de cuidar, um ato de amor. Morrer é um grande aprendizado.”