Ao longo de quatro grandes leilões, a Marfrig abocanhou surpreendentes 31,6% da BRF e se estabeleceu como a acionista referência da companhia, num movimento análogo ao que os enxadristas chamam de Mate do Pastor (ou Scholar’s Mate), em que o xeque-mate é atingido em apenas quatro jogadas.
Mas e agora? O que esperar daqui por diante?
Na semana passada, montamos um par para arbitrar o valor relativo entre as duas empresas: estamos comprados em Marfrig e vendidos em BRF.
Nossa primeira premissa é de que a Marfrig não pretende disparar o poison pill da BRF, o que aconteceria se a companhia chegasse a 33,33% do capital.
Se disparasse o poison pill, a Marfrig teria que fazer um desembolso de caixa de mais de R$18 bilhões aos acionistas de BRF, ou mais de 3x o que a companhia já desembolsou.
Isto jogaria a alavancagem da empresa combinada (Marfrig-BRF) para cima de 5x EBITDA, deixando-a refém da manutenção do ciclo bovino nos EUA e/ou de um patamar significativamente menor nos preços das commodities agrícolas.
Marcos Molina estaria correndo um risco desnecessário e que certamente seria mal recebido pelo mercado.
Outra premissa na construção de nossa tese é que, ao contrário do que diz a Marfrig, sua participação na BRF não deverá permanecer passiva.
Pode até ser que esta passividade dure alguns meses, mas ela não será a postura definitiva. Basta ver o histórico das aquisições feitas por Molina para entender que ele não é um empreendedor passivo. O exemplo mais recente foi a aquisição da National Beef.
Ora, se a Marfrig não aumentará sua participação na BRF e não continuará passiva, conclui-se que nada acontece até abril, quando um novo Conselho de Administração será eleito?
Não necessariamente. A qualquer momento, a Marfrig pode propor uma fusão entre as duas companhias.
Neste caso, o tempo joga a favor de quem? Aqui, as coisas começam a ficar interessantes.
A nosso ver, não existe pressa do lado das companhias para se efetivar uma fusão. Do lado da BRF, porque é tarde demais para achar um white knight (um investidor alinhado com a atual gestão ou uma base acionária que a defenda dos ataques do ativista), dado que a atual participação da Marfrig é proibitiva.
(Se em 2016 o Conselho não tivesse aumentado o poison pill de 20% para 33,33%, a história poderia ser diferente).
Portanto, resta à gestão e aos acionistas da BRF seguirem com o status quo.
Já do lado da Marfrig, o tempo é favorável. Com a forte geração de caixa que vem colhendo, salvo alguma mudança dramática em seus fundamentos, a Marfrig vai ficando mais barata com o passar do tempo. Mas, relembrando Paulinho da Viola, no histórico da Marfrig, “dinheiro na mão é vendaval.”
Portanto, se Molina está impossibilitado de comprar mais BRF e o caixa vai continuar fluindo, que tal alocar este capital na própria Marfrig?
Os benefícios desta alocação seriam basicamente três: (i) Molina naturalmente aumentaria sua participação na Marfrig (lembrando que ele comprou mais de R$1 bilhão em MRFG3 desde a saída do BNDES), (ii) a maior participação de Molina na Marfrig significaria uma maior participação na empresa resultante da eventual fusão com a BRF; e (iii) traria sustentação ao preço de MRFG3, beneficiando a futura relação de troca.
A cereja do bolo é que, sem a Marfrig como comprador marginal de BRFS3 a R$ 29, o papel perde sustentação, o que também ajudaria Molina na relação de troca.
As premissas acima, claro, assumem que a Marfrig mantém o interesse de continuar comprando BRF nos níveis atuais, e que eventualmente haverá uma relação de troca fundindo as companhias.
Por hipótese, façamos o seguinte exercício. Assumindo que a fusão acontecesse hoje, e a preços de tela, Molina teria 28,2% da empresa combinada.
Caso seu objetivo seja atingir, por exemplo, 33% da nova empresa, ele precisaria aumentar sua participação em Marfrig em 18% ou R$ 1,2 bilhão, mantendo a relação de troca a preços de tela.
Ou então, a relação de troca entre MRFG3 e BRFS3 precisaria deteriorar 45% dos preços atuais.
Nos próximos meses, portanto, o mercado deve ficar atento aos programas de recompra, dividendos extraordinários e a volta de Molina às compras de Marfrig.
Quais são os riscos desse trade?
Fazendo o mesmo exercício, se Molina porventura aceitar uma relação de troca que o deixe com menos do que os 28,2% que tem hoje, o upside a partir daqui viria nas ações da BRF em detrimento aos acionistas de Marfrig. Este cenário, no entanto, nos parece altamente improvável.
Obviamente, como é impossível controlar todas as variáveis, o desenrolar dessa história pode tomar múltiplas formas que não conseguimos antever. Mas considerando essas premissas e expectativas e os fundamentos das duas companhias — mesmo a BRF estando num claro ciclo de baixa — nos parece difícil defender os níveis atuais de BRF sem que ocorra alguma mudança mais aguda em seus fundamentos.
Já no caso da Marfrig, o pêndulo joga a favor: sem um claro sinal de inversão no ciclo do gado americano, a companhia deve continuar gerando caixa, dando mais combustível para as próximas aventuras de Molina.
Ricardo Penna Franca é analista de investimentos da família de fundos Atlas One.