Antonio Delfim Netto completou ontem 90 anos. A convite do Brazil Journal, o economista Samuel Pessôa falou sobre suas interações com Delfim e dos momentos (frequentes) em que discordou do professor.

 

Em 1989 um grupo de alunos da pós-graduação em economia da Faculdade de Economia e Administração de Empresas da USP procurou o professor, já algum tempo distante das salas de aula, para uma conversa sobre o curso e medidas para melhorá-lo.

Delfim recebeu os alunos. Seu interesse era saber o que estávamos estudando. Quando soube que estudávamos o livro-texto de Mário Henrique Simonsen “Dinâmica Macroeconômica”, o melhor livro que conheci de macroeconomia de sua época, ele se animou. Imediatamente mostrou o seu exemplar. Também estava estudando.

Eu tinha feito todos os exercícios do livro. Delfim o abriu na página 274 e perguntou se nós tínhamos derivado o resultado (6.52a). Era o único resultado que não tínhamos conseguido demonstrar. Aos 61 anos, Delfim estava lendo o que havia de mais avançado em macro.

10477 7bb6762d ec72 1fee 0001 8c5e44562ecaA capacidade de se manter ativo e vivo na profissão é talvez o que mais me impressiona em Delfim.

Ainda hoje, debater com ele é sempre divertido, mas requer muita atenção. Você pode ser um aluno 40 anos mais jovem, com importância na profissão muito menor, mas quando Delfim se apresenta a um debate, ele vai à luta: ironia fina, bom humor, tudo vale para fazer o ponto e vencer a argumentação. Impressionam a energia e o prazer, tudo após tantas décadas de atividade profissional ininterrupta.

Não sei qual foi o papel de Delfim, se é que teve algum, na transição da formulação da política econômica a partir de 2006 que resultou no excesso de intervencionismo da nova matriz econômica. Após um longo período de políticas liberalizantes com Pedro Malan e Antônio Palocci, com a ida de Guido Mantega ao ministério da Fazenda iniciou-se uma guinada na política econômica que, inicialmente lenta, adquiriu velocidade na mesma razão do aumento da autoconfiança do governo petista. Como sabemos, terminou muito mal.

Certamente Delfim condena inúmeros excessos que foram cometidos, assim como condenou excessos similares do período militar. Mas talvez a falta de um posicionamento mais contundente seu tenha ajudado o Brasil a entrar no trem fantasma da Nova Matriz. Talvez ainda refém de Keynes, ao longo de sua carreira Delfim não deu a devida importância aos incentivos e à eficiência microeconômica na construção do desenvolvimento econômico.

Apesar de todo seu calibre intelectual, Delfim também nunca superou o que se pode chamar de ‘fetichismo da indústria’ — a ideia de que a indústria tem um lugar especial na vida econômica dos países e que, como tal, tem que ser protegida.

Delfim errou e acertou. Foi inovador bem-sucedido e vítima dos excessos dos keynesianos na compreensão do fenômeno do desenvolvimento.

Nestes seus 90 anos, celebramos sua energia incansável, sua inteligência transbordante, e sua generosidade de doar o trabalho de uma vida, sua biblioteca, ao departamento que o formou e que foi por ele formado. Não é incomum discordar do professor, mas sempre com respeito.

Samuel Pessôa é físico, doutor em economia, pesquisador do IBRE-FGV e sócio da consultoria de investimentos Reliance.