De um lado, o czar da economia nos anos 80. De outro, o enfant terrible das microrreformas.
A pergunta do painel organizado pela Folha era “O Brasil vai voltar a crescer?” mas dizer que houve um debate seria um exagero.
Delfim Netto e Marcos Lisboa concordaram no diagnóstico e se mostraram céticos quanto ao prognóstico.
As diferenças foram apenas de ênfase.
Delfim parecia mais pessimista. “Ainda que a reforma da previdência seja absolutamente necessária, ela não é suficiente para o país voltar a crescer”, disse. “Se não tirar o governo do cangote do setor privado, não haverá crescimento sustentável e de longo prazo. O crescimento é promovido pelas pessoas. E a política tem que libertar a iniciativa privada e estimular a criatividade dos indivíduos.”
Lisboa comparou a reforma da previdência a um “paraquedas” que reduz a velocidade, mas não impede a queda.
“Mesmo uma proposta mais dura só evita que o problema piore. A folha de inativos dos estados só aumenta. Não tem dinheiro pra manutenção da ponte, pra comprar remédio. Ah, mas não pode reduzir salário. A gente inventou que tem que ter direito adquirido. Vamos ter que enfrentar esse tema no judiciário.”
E insistiu no seu tema favorito: o Estado precisa resistir aos pleitos dos grupos de interesse.
“O governo recebe demais o setor privado. Não tem que ter federações disso e daquilo. O oportunismo de todos os lados leva a uma situação onde todos perdem. Não tem que ter favor para esse ou aquele. Tem que ter uma regra igual para todos. Existe uma agenda possível, mas é preciso uma sociedade onde todos colaborem para enfrentarmos os problemas e voltar a crescer.”
Para o PhD pela Penn e o doutor pela USP, a reforma do Estado tem que valorizar a boa gestão, e a reforma política tem que mudar a relação entre os três poderes e reduzir a judicialização.
“Judicializou-se a atividade política e politizou-se o Judiciário”, disse Delfim, um dos maiores frasistas vivos.
Lisboa lembrou que a ausência da reforma tributária está custando empregos e investimento.
“As empresas estrangeiras têm que reportar no balanço um contencioso tributário que não existe no resto do mundo. E elas estão indo embora do Brasil: Walmart foi embora, Fnac, Citibank, agora a Ford. As regras tributárias são tão complexas que geram o contencioso.”
Delfim defendeu uma “curetagem” na Constituição de 1988 para extrair os artigos que tratam de questões fiscais.
“A administração pública está algemada. A Carta de 88 é um milagre que viola a primeira lei da termodinâmica. Do caos ela produziu a ordem,” pontificou o professor.
A metralhadora ainda estava cheia.
“O governo não pode ver nada funcionando bem que vai lá e regula mal. É um instinto incontrolável. Cada problema que encontra consegue dissolver as soluções.”
Delfim elogiou a equipe de Paulo Guedes, mas está agnóstico sobre sua capacidade de implementação.
“Se tiver sucesso nesse primeiro movimento, ele vai ter energia para prosseguir. Tenho esperança que ele não cometa o equívoco de ter ideias demais e não resolver nenhuma delas. Já tivemos o PAC1, PAC2 e PAC N e terminamos com 7.400 obras paradas.”
Lisboa reforçou que uma agenda de pequenas reformas pode turbinar o crescimento. Citou a lei do crédito consignado – “uma lei simples, de uma página” – que criou em poucos anos um grande mercado de crédito pessoal, e a alienação fiduciária de automóveis, que gerou forte crescimento sem dinheiro público ou subsídios.
Delfim voltou a frisar a importância da política para a economia.
“Nosso problema é o mecanismo político para implementar as soluções. Não há como voltar a crescer sem dar uma perspectiva. Crescimento é um estado de espírito. E o estado de espírito tem sido cuidadosamente destruído nos últimos 30 anos. O Brasil não vai acabar. Mas voltar a crescer depende da criação de um estado de espírito.”
Citou o título de um livro seu de 1986: Só o político pode salvar o economista.
“Acho que está confirmado. Nesta eleição, vejo que esse mecanismo político não se aperfeiçoou. A importância dada às mídias sociais, a ideia de que a simples multidão pode decidir o que é o correto e que obedecendo as mídias sociais pode-se produzir um governo razoável me parece absolutamente falha.”
Para ele, a eleição produziu uma mudança no sentimento das pessoas, mas ainda não surtiu efeito algum.
“O humor mudou, mas não aconteceu nada. O que não mudou foi a realidade. Só um sujeito ingênuo que ainda não foi pego em uma armadilha de governo acredita no que o governo diz. O governo tem dificuldade de cumprir promessa. Há uma esperança visível, especialmente no setor financeiro, que acho que está superestimando as oportunidades de crescimento. Só que eles vivem de comissão. E estão atraindo você para esse jogo.”
“Torço para que os problemas sejam resolvidos. Mas precisa transmitir que não é tão simples. Exige mudar a concepção de sociedade. A sociedade tem que compreender que boa parte do excedente produtivo que seria destinado ao aumento da produtividade do trabalho é apropriado por uma casta que tem o poder. Tem a ideia de que no Congresso os deputados têm independência, que vão receber mensagens e votar de acordo com as mídias sociais… No dia da votação, quem vai lotar as galerias são os funcionários públicos que trabalham no Congresso. O mecanismo de solução é mais complicado do que parece.”