Uma pequena transação entre dois incorporadores de São Paulo pode ser um sinal de que o mercado imobiliário brasileiro — devastado pela recessão, os juros altos e a falta de visibilidade na política — bateu no fundo do poço.
Ou que as coisas estão piores do que você imagina.
A boa notícia: Elie Horn, o respeitado fundador da Cyrela conhecido por seu conservadorismo, está colocando a mão no bolso e empregando o capital de sua empresa para comprar uma participação na Tecnisa.
Comandada por Meyer Nigri, a Tecnisa fará um aumento de capital de até 200 milhões de reais a 2 reais por ação, um desconto de 15% em relação à média dos últimos 30 dias. A Cyrela participará com um mínimo de 73 milhões e um máximo de 100 milhões de reais (o equivalente a 5% de seu caixa). Com isto, a Cyrela ficará com no mínimo 13,4% e no máximo 19,3% da Tecnisa, e terá um assento no conselho.
No fechamento de ontem, a Tecnisa valia 418 milhões de reais na Bovespa, e negociava a 25% de seu valor patrimonial.
O aumento de capital — que vai diluir os atuais acionistas da Tecnisa em 36% — foi uma decisão dura para Nigri, que recebeu múltiplas ofertas de capital nos últimos anos mas resistia a diluir seus acionistas.
“Muitos membros da comunidade judaica são acionistas históricos da Tecnisa, e o Meyer sempre se sentiu mal em ter que chamar capital a um preço abaixo do IPO,” diz uma fonte.
Agora a má notícia: a chamada de capital vem em meio a relatos de que os bancos estão fazendo linha dura (indiscriminadamente) na concessão de financiamento, e num momento em que a avalanche de distratos continua a machucar as incorporadoras, sugerindo que a margem de manobra da Tecnisa pode ter se exaurido
A injeção de capital ancorada pela Cyrela vai ajudar a reduzir a dívida líquida da Tecnisa, que chega a 1,2 bilhão de reais. Meyer, que hoje tem 62% da empresa, se comprometeu a injetar entre 51 milhões e 70 milhões de reais. Se tanto o aumento de capital quanto sua contribuição forem feitos no topo da faixa, Meyer será diluído para 52%.
A Cyrela, a incorporadora mais valorizada na Bovespa, negocia a cerca de 68% de seu valor patrimonial, e está investindo na concorrente a cerca de 20% de seu valor patrimonial.
Para outra fonte do setor, a transação não tem um significado para além dos players envolvidos. “Nesse setor, você não pode generalizar. É tudo no caso a caso. Tem que ver se o custo vai estourar, se a carteira é ruim, se o cliente está fazendo distrato, se o banco vai renegociar a dívida.. O Elie com certeza olhou no detalhe e viu algo aqui, mas eu não leria muito além disso.”
Meyer e Elie se conhecem há pelo menos 20 anos. Antes do IPO da Tecnisa, foi aventada a possibilidade de uma fusão entre Tecnisa e Cyrela. Mas embora sejam membros ilustres da comunidade judaica em São Paulo, os dois empreendedores têm personalidades distintas, e uma sociedade entre os dois nunca foi um negócio óbvio.
“A primeira coisa que pesou aqui é a confiança que um tem no ouro, e saber que não tem esqueleto,” diz uma fonte com trânsito junto aos dois. “Tem empresa que você conhece, e outras que não..”
Além da operação anunciada hoje, Meyer está em conversas finais para vender mais uma participação no Jardim das Perdizes, fontes familiarizadas com a negociação disseram ao Brazil Journal. É mais uma tentativa de reduzir o endividamento e demonstrar a viabilidade da empresa. Em outubro, a Tecnisa vendeu 17,5% do empreendimento por 180 milhões de reais. A expectativa agora é a venda de uma participação similar.
O Jardim das Perdizes, um bairro planejado na zona oeste de São Paulo, é um mega empreendimento que hoje vale mais do que a Tecnisa na Bolsa.