Pela primeira vez em muitos anos, o Brasil está produzindo números melhores nas finanças públicas.  O País deve comemorar estas conquistas neste Natal, mas permanecer atento para não recair em velhos hábitos e complacências perigosas, sob pena de botar tudo a perder.

10204 1c99bbc3 b482 0000 0009 eb094d7f446aDepois de um período tão difícil para a economia brasileira, às vezes demora para percebermos quando os números começam a melhorar. Essa mudança já está acontecendo. Vamos, rapidamente, lembrar onde estávamos há quatro anos, quais eram as expectativas do mercado para o período atual e qual é o cenário hoje.

Nosso grave período de desequilíbrio fiscal começou em 2014, com déficits primários sucessivos que elevaram a dívida pública brasileira de 51,5% para 76,5% do PIB de 2013 a 2018. 

Esse crescimento de 25 pontos do PIB em cinco anos foi tão grande e rápido que, em 2015, teve início um debate sobre “dominância fiscal”, fenômeno que ocorre quando um país perde a capacidade de arrecadar para pagar sua dívida, levando a um calote e/ou inflação crescente. 

O aumento da incerteza em relação ao comportamento da inflação, do déficit primário e da dívida pública nos levou a perder o grau de investimento em 2015. A taxa de juros real nos títulos mais longos do Tesouro Nacional (a NTN-B de 30 anos) subiu para 8% ao ano; a Selic foi para 14,25% ao ano e as projeções de dívida pública apontavam que, em poucos anos, a dívida pública brasileira poderia superar 100% do PIB. 

Essa era a economia brasileira há quatro anos. 

É importante destacar que, mesmo depois de aprovado o teto dos gastos, no final de 2016, a combinação esperada de taxas de juros elevadas e baixo crescimento apontava para um cenário de risco para a dívida pública. Em novembro de 2017, as projeções da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) apontavam que, em 2019, a dívida pública bruta superaria 80% do PIB e, no melhor dos casos, permaneceria acima deste valor até 2025. 

A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal tinha números ainda piores. Essa instituição projetava, em outubro de 2017, que a dívida pública bruta chegaria a 82,5% do PIB em 2019 e cresceria para 93,5% em 2025.

Esses cenários mudaram radicalmente. 

O ano começou com o compromisso do BNDES de pagar R$ 26 bilhões ao Tesouro Nacional — mas pagou R$ 123 bilhões. A Selic iniciou o ano em 6,50%, uma taxa que já era um patamar mínimo histórico para a economia brasileira. Mas a taxa vai terminar o ano em 4,5%, impactando fortemente a redução do serviço da dívida pública, pois cerca de 50% da dívida pública bruta (inclusive operações compromissadas) é refinanciada em até 12 meses. No segundo semestre, o Banco Central vendeu reservas, o que foi mais uma contribuição para a redução da dívida bruta. Por fim, ao invés de um déficit primário do setor público de R$ 132 bilhões (1,8% do PIB), a meta para 2019, devemos terminar o ano com um déficit primário entre R$ 60 e R$ 80 bilhões, ou seja, 1% do PIB ou menos.

A projeção da STN ainda era que a dívida pública bruta terminasse este ano em 80,8% do PIB e alcançasse 81,8% do PIB em 2022. Pelas novas projeções, ela terminará o ano perto de 77% do PIB, 4 pontos menos que a estimativa da própria STN publicada em outubro. Agora, a STN prevê que o valor máximo da dívida pública será de 78,2% do PIB até 2028. Há a possibilidade da dívida estabilizar nos próximos três anos e começar a cair consistentemente a partir de 2022, alcançando 67% do PIB em 2028. 

Esses números poderão ser ainda melhores porque a STN não colocou na projeção novos pagamentos do BNDES ao Tesouro (além dos já negociados), nem o efeito da privatização na redução da dívida e a eventual mudança no estoque de reservas. As hipóteses básicas são: (1) crescimento médio do PIB de 2,5% ao ano a partir de 2021, (2) Selic média de 6,5% a partir de 2022; (3) cumprimento do teto dos gastos e crescimento gradual do resultado primário, com superávit primário apenas a partir de 2023. 

Conseguimos afastar um cenário de elevada incerteza fiscal que permaneceu mesmo após a aprovação do teto dos gastos em 2016. A aprovação de uma reforma robusta da Previdência, o compromisso com o teto dos gastos e a discussão de novas medidas de ajuste fiscal em tramitação no Congresso abriram a possibilidade de um ajuste fiscal mais rápido que todos esperavam. 

Ademais, se antes precisávamos de um superávit primário de mais de 3% do PIB para colocar a dívida pública bruta em uma clara trajetória de queda, esse número é hoje inferior a 2% do PIB, mesmo já trabalhando nas projeções com um eventual aumento da taxa Selic em 2021. 

Hoje, o Tesouro vende seus títulos mais curtos a uma taxa de juros real de apenas 1%, e o seu título mais longo, a NTN-B de 30 anos, a um juro real de cerca de 3,5% ao ano. Os juros estruturais da economia brasileira tiveram uma forte queda, algo impensável há cerca de três anos.

Agora o alerta.  O tamanho do ajuste fiscal necessário para reduzir a dívida diminuiu, mas precisamos continuar com a agenda de reformas para garantir um crescimento da economia de pelo menos 2,5% ao ano e o cumprimento do teto dos gastos ao longo dos próximos anos. Se falharmos, essa melhora do cenário da dívida será rapidamente revertida, exigindo um esforço fiscal maior do que hoje se faz necessário. 

A tentação de gastar ‘um pouco mais’ agora que uma ‘folga’ foi conquistada precisa ser combatida.  A sociedade brasileira continua a ter imensas demandas reprimidas, e haverá sempre alguém propondo que se atendam estas demandas no curto prazo em detrimento da saúde fiscal no longo prazo.  Não podemos ceder. 

Terminamos o ano com boas notícias na área fiscal. Se continuarmos neste caminho inevitavelmente teremos um ‘upgrade’ do nosso rating já no próximo ano e poderemos recuperar o grau de investimento entre o final deste governo e o início do próximo. 

Feliz 2020, mas com mais reformas, e gastando com moderação.

Mansueto Almeida é Secretário do Tesouro Nacional.