A CVM está alterando seu entendimento sobre o voto do acionista controlador em situações de potencial conflito de interesses.

Desde 2010, prevalece na autarquia a tese do “conflito formal”, pela qual o controlador fica previamente impedido de votar.

Mas em dois julgamentos iniciados hoje, a maioria do novo colegiado já se manifestou favorável à tese de que o conflito é “material”: o controlador pode votar e, se a análise posterior do caso concreto mostrar que ele votou contra os interesses da companhia, seu voto poderá ser anulado e o controlador poderá responder pelos danos causados.

O tema é um dos mais controversos no mercado de capitais brasileiro – onde companhias com controlador definido são muito mais comuns que corporations, as companhias de capital pulverizado – e as duas teses dividem os especialistas porque, no entendimento de muitos, a redação do artigo 115 da Lei das SA, que trata do assunto, dá margem às duas interpretações.

O diretor Alexandre Rangel foi o relator dos dois casos – um envolvendo o controlador da livraria Saraiva, e o outro, da Springer, a fabricante de ar condicionado. Em ambos, a acusação da CVM contra os controladores se baseava no “conflito formal.”

Alexandre primeiro manifestou seu entendimento de que a análise do caso deveria ser feita a partir do “conflito material.” Ele votou pela absolvição do controlador da Saraiva, que havia votado pela aprovação de uma operação de adiantamento futuro de capital prevista no plano de recuperação judicial aprovado pelos credores da empresa.

Na sequência, a diretora Flavia Perlingeiro pediu vistas do processo. Mesmo assim, o diretor Otto Lobo e o presidente da CVM, João Pedro Nascimento, leram seus votos, acompanhando o relator. O diretor João Accioly disse que esperaria a retomada do julgamento para se manifestar, mas seu posicionamento, favorável ao “conflito material”, já é conhecido no mercado.

João Pedro disse que após a retomada do julgamento, com a manifestação de Flavia, a autarquia vai preparar um posicionamento institucional para dar mais clareza ao mercado sobre o “conflito material” em caso de voto do controlador.

No caso da Springer, o diretor Alexandre Rangel votou pela condenação dos acusados, por terem votado contra os interesses da companhia em uma assembleia de 2019 que aprovou a venda de uma controlada para outra companhia do mesmo controlador. Novamente, a diretora Flavia pediu vistas.