O presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, esteve na Câmara ontem à noite para convencer os deputados a não mexer em time que está perdendo — ou seja: não votar projetos que alterem o modelo de partilha na exploração do pré-sal.
Saiu de cena o homem encarregado de salvar a Petrobras — Bendine, o reformista — e entrou em cena o encarregado de deixar tudo como está — Bendine, o corporativista.
Há vários projetos em tramitação — na Câmara e no Senado — que tentam mudar o regime da partilha, instituído pelo Governo Lula no auge da euforia com o pré-sal. Dois, no entanto, são os principais.
O projeto do líder do DEM, o deputado pernambucano Mendonça Filho, que está na pauta da Câmara esta semana, propõe reinstituir o regime de concessão. Neste regime, as empresas pagam um royalty de 10% e a chamada ‘participação especial’, um tipo de taxação que funciona mais ou menos como o Imposto de Renda: alíquotas crescentes quanto maior for a produtividade do campo de petróleo.
O outro projeto é do senador tucano José Serra, que apenas modifica o regime de partilha ao acabar com a obrigatoriedade da Petrobras de entrar em todos os consórcios do pré-sal (com participação mínima de 30%) e de ser a operadora única de todos os campos do pré-sal.
Por causa da situação financeira da Petrobras, da forma como existe hoje o regime de partilha é ruim para todo mundo. Para a Petrobras, a ‘obrigatoriedade’ de participar de todos os consórcios impede que a empresa possa escolher os melhores projetos e torna inviável sua participação, no curto e médio prazos, em novos leilões — simplesmente porque a empresa não tem dinheiro para investir.
Como a Petrobras não tem caixa para bancar nem os 30% de investimento nem sua condição de operadora exclusiva, o Governo brasileiro não faz novos leilões do pré-sal, e com isso deixa de arrecadar num momento igualmente crítico para as finanças públicas.
Como, então, resolver a questão?
Do ponto de vista arrecadatório, os regimes de concessão e de partilha são mais ou menos equivalentes — a partilha oferece até mais vantagem para o Estado.
O projeto de Mendonça Filho propõe uma mudança radical. Ë como se o deputado fizesse o seguinte statement político: ‘como o ciclo de poder do PT está chegando ao final, vamos varrer do mapa este modelo criado pelo Lula e voltar ao anterior.’ Trata-se de uma ideia magnífica enquanto simbologia e catarse, mas de difícil execução.
No regime de concessão, as receitas do petróleo são desigualmente distribuídas, favorecendo os Estados produtores em detrimento dos não-produtores, o que torna o projeto mais difícil de aprovar.
Com um melhor embasamento técnico, o projeto do Senador José Serra resolve o problema cirurgicamente: retira os dois entraves (os 30% e o status de operadora única) e permite que os leilões voltem a acontecer.
Mas como no Brasil a excelência é eterna refém da mediocridade, o projeto já enfrenta um problema: pressionados pelos sindicatos dos petroleiros, alguns senadores estão condicionando apoio ao projeto apenas se Serra incluir nele uma cláusula de ‘preferência para a Petrobras.’ Funcionaria assim: algumas semanas antes de cada leilão, a Petrobras terá o direito de manifestar seu interesse pelos campos que estão sendo licitados. Se ela quiser os campos, mesmo que sua oferta no leilão seja derrotada, o vencedor terá que acomodar a Petrobras em seu grupo (com a tal participação de 30%) e permitir que a estatal seja a operadora única.
Issi permitiria a estes senadores dizer aos petroleiros: “Fiquem tranquilos, gente. Não estamos entregando a Petrobras aos alienígenas nem ao ET de Varginha porque colocamos aqui uma ‘cláusula de preferência.” É a velha, manjada e inarredável técnica brasileira do acochambramento, que consiste em resolver um problema apenas pela metade, na expectativa de se ficar bem com todo mundo.
Se Serra aceitar esta emenda, seu projeto passa a ser inferior, por ineficaz, ao de Mendonça Filho.
O que ‘broxou’ as grandes empresas de petróleo em relação ao Brasil foi o fato do modelo de partilha impedir que elas operem seus próprios campos. A partilha as transformou, de fato, em sócios capitalistas passivos, enquanto a Petrobras é quem toca tudo. (Se elas já não gostavam da partilha em 2010, imaginem hoje, sabendo o que sabem agora, depois da Lava Jato.)
A falta de ‘cojones’ dos senadores frente ao lobby sindical dos petroleiros é perturbadora. É possível admitir que os sindicatos estejam tão cegos em relação à situação real da Petrobras que não entendam que estão contribuindo para enterrá-la de vez. Mas que senadores da República não entendam isso é algo chocante. E, se entendem mas preferem não se comprometer, passa a ser vergonhoso.
Infelizmente, Bendine — um homem versado em balanços e na realidade dos mercados — vestiu (metaforicamente) o macacão laranja para defender um ponto de vista que prejudica a própria empresa e o País.
A esta altura dos acontecimentos, os petroleiros já deveriam saber que o relacionamento da Petrobras com Brasilia é uma espécie de contrato Faustiano. O Estado favorece a Petrobras com uma mão, mas cobra sua alma com a outra. Com a partilha, a Petrobras pareceu mais forte, mas teve que ajudar o Governo no combate à inflação (mantendo preços de combustíveis congelados), teve que investir em etanol, teve que bancar a conta das termelétricas, etc. E é por tudo isto que a empresa está na situação atual, depois de 12 anos de governos ‘não entreguistas’.
Alguém tem que salvar a Petrobras de si mesma.