Esqueçam tudo que Aristóteles escreveu em seu clássico Política. As eleições brasileiras são mais compreensíveis pela famosa frase do Millôr: “Em política nada se perde e nada se transforma – tudo se corrompe.”

Eu sei — por que eu perdi.

E isso nos leva a este manual, que vai tentar explicar como perder uma eleição mostrando os bastidores do que alguns candidatos fazem, e outros se recusam a fazer.

Quatro anos atrás, fui eleito deputado estadual em São Paulo com 183.480 votos. Este ano, candidatei-me a deputado federal e obtive 38.090 votos. Fiquei fora.

Da eleição para cá, fiz uma reflexão sobre o caminho que me levou à derrota.

Tudo começa quando você pensa a política como ferramenta de construção de um país melhor para todos. Ela é, mas esta é uma visão sofisticada, quase acadêmica no Brasil de hoje. O voto se dá muito mais pelo recall de um nome, ou pela repetição de alguma ideia ou bordão simplista, do que por grandes ideias e projetos que você possa ter para o estado ou o país.

Constitui regra básica para obter uma derrota eleitoral a alocação de tempo para estudar os diagnósticos e indicadores do País e articular com diversos setores os projetos que poderiam impactar as pessoas de forma abrangente. Não tente isso.  O que realmente pode dar bons frutos é gravar provocações no Youtube, publicar postagens com linguagem agressiva no Instagram e gerar brigas teatrais nos bastidores de debates presidenciais.

Uma classe política que pouco contribui para o País acaba tendo como proposta de valor para a população a geração de entretenimento vazio.

Além da linguagem agressiva, o conteúdo discutido importa.

Para ficar mais distante da vitória, a regra é priorizar questões cruciais como a educação, a economia e as tão necessárias reformas de Estado. Isso tudo passa muito distante do radar do eleitorado.

Para vencer as eleições, as discussões devem envolver polêmicas que polarizam eleitorado em torcidas – de preferência, discutindo problemas irreais. Para vencer, o ideal é alimentar polêmicas que, mesmo que fossem resolvidas, em nada melhorariam as perspectivas de desenvolvimento econômico e deixariam inalterada a situação da população que mais sofre.

Histórico de ação e capacidade técnica não são preocupações para o eleitor, e esse negócio de bom currículo só funciona nas empresas.  Diploma do Insper e mestrado em Yale, pra quê?? Para um candidato, isso atrapalha.

Por volta de 20% dos deputados federais eleitos em 2022 não possuem ensino superior completo, e mais da metade dos eleitos são velhos conhecidos do Congresso. Há tempos distantes das exigências da iniciativa privada, eles vivem despreocupados com o quanto seus níveis de preparo impactam suas perspectivas salariais. Um deles é o deputado Tiririca, que nessa eleição acabou eleito pelos massivos votos de eleitores da Faria Lima direcionados ao candidato Ricardo Salles. É o tal quociente (inconsciente?) eleitoral.

Embora as regras mencionadas sejam tristes e preocupantes, ainda faltam duas ferramentas essenciais para se garantir uma derrota eleitoral: (1) seguir os limites de gastos de campanha definidos por lei e (2) ter um mandato econômico sem entrar em negociatas obscuras com qualquer governo em vigor.

Os demais concorrentes terão acesso a bilhões de reais em fundos eleitoral e partidário, e mais tudo aquilo que negociarem de emendas e cargos na máquina pública. Enquanto um candidato fora dos padrões pode gastar até R$ 3,2 milhões de doações privadas, raramente atingindo esse teto, os que possuem mais chances de se eleger chegam a possuir máquinas políticas que podem custar facilmente algo entre R$ 10 milhões a R$ 20 milhões.

Pode ser amargo aceitar, mas esse é o manual definitivo de como perder uma eleição. E, como pouca gente está interessada em entender as regras mais básicas do processo eleitoral, os candidatos também não se importam em segui-las.

Quando o contexto é de radicalização, o circo dos horrores só piora. Um povo descrente da política cai no discurso dos extremos e, em vez de dialogar para construir projetos comuns, somos levados a escolher um lado em projetos partidários de poder.

Seguindo este manual você vai perder a eleição, mas o grande derrotado será o Brasil. E como não temos mais tempo de campanha, talvez seja bom você estar aqui fora, nas trincheiras pelas reformas que precisarão sair do papel se quisermos ser um dia um país mais justo, desenvolvido e moderno.

No fim das contas, este manual não é um lamento, mas um alerta e um convite para que sejamos a mudança que dizemos querer. O Brasil moderado e propositivo ficou fora do Congresso, mas não pode ficar fora da Política.

Daniel José é deputado estadual em São Paulo pelo Podemos e, em breve, um cidadão comum.