Para procurar um bom restaurante, normalmente se olha a qualidade das fotos (e número de seguidores) no Instagram, a nota em sites como Yelp, Tripadvisor ou o próprio Google, se é arrumadinho, se ganhou prêmios ou, melhor ainda, as famosas estrelas Michelin. No entanto, para encontrar boa comida chinesa, esqueça tudo isso.

Antes de ter qualquer informação relevante sobre um restaurante chinês, é possível sentir o cheiro da comida só pelo nome: se tem “China” ou “Panda” no nome, ele está acenando para o público ocidental, o que não é um bom sinal. Ponto para nomes em chinês totalmente incompreensíveis. 

Quando você vê o local, seja por fotos ou presencialmente, perceba a etnia das pessoas: tem chineses nas mesas e, principalmente, na cozinha? Veja o que elas estão vestindo e o que estão bebendo. São pessoas bem-vestidas, descoladas? Estão bebendo vinho ou “drinks”? Se a resposta é sim para as perguntas acima, pode ficar com um pé na porta. Preste atenção no aspecto do local. Investiram no design? Parece limpo e organizado? Surpresa: a qualidade da sua refeição pode estar comprometida. Pragmatismo é um traço relevante da cultura chinesa, e nada pode ficar no caminho do sabor da refeição.

O próprio cardápio também diz muito, por óbvio. Os melhores restaurantes chineses têm cardápios com fotos dos pratos, mas nenhuma palavra escrita na língua local. O motivo é simples: traduzir dá trabalho e ninguém que precisa da tradução vai entender nada de qualquer jeito. Em cardápios mais tradicionais, veja se há pratos como “guioza” ou “yakisoba” (spoiler: não são chineses) ou sobremesas tipo “brownie de chocolate com sorvete”. 

Nada contra brownies, mas praticamente nenhum dos seus ingredientes estão presentes na culinária chinesa, um atentando à harmonização da refeição.

Restaurantes chineses não são reconhecidos pela qualidade do serviço, mas são famosos por serem baratos. A explicação é simples: seguindo tradição europeia, o brasileiro gosta de ser tratado como um aristocrata quando come fora de casa. 

Evidentemente, serviço tem um custo considerável, tanto financeiro quanto na atenção dos proprietários do restaurante. Quer ser chamado de “senhor”, ter um garçom à sua disposição e que ofereça seu limão “espremido ou em rodelas”? Uma pena: a sua refeição será mais cara e a sua comida, pior. É esperado (desejável?), em bons restaurantes chineses, ver gente gritando dentro da cozinha, que a pessoa que te atendeu corrija o seu pedido e decida o que você vai comer, ou que passem um pano com álcool spray na mesa no final da sua refeição. É esperado que seja barato, e a comida, maravilhosa.

A teoria é suportada por evidência empírica. Veja, por exemplo, o P.F. Chang’s: ele cumpre o bingo do fracasso da comida chinesa: você entra num salão espaçoso, bem decorado, pé direito alto. É recebido por uma recepcionista arrumada e percebe no salão um monte de gente branca tomando vinho. Fuja. Outro é o Mr. Lam, no Rio de Janeiro. Com milhões gastos para criar interiores dignos de um polo de badalação, Eike Batista conseguiu fazer um restaurante chinês ser um dos mais caros da cidade, e a comida tão autêntica quanto a pizza carioca. Coitado do Sr. Lam. 

Talvez poucos lembrem do Ping Pong, rede britânica que abriu em São Paulo no início dos anos 2010 com investimento de US$ 3 milhões. A ideia era vender “dim sum”, a refeição cantonesa de dumplings no vapor, tradicionalmente consumida como almoço de família em finais de semana, como algo badalado, consumido à noite, ao som de música alta e, por que não, “drinks”. Corretamente foi à falência em 2013, sobrevivendo apenas em Londres, cidade onde talvez haja excesso de dinheiro e escassez de paladar.

O comentarista Freddie Wong já criou a regra que a nota ideal de um restaurante chinês no Yelp deve ser exatamente 3.5 estrelas. Não 5 ou 4. Exatamente 3.5. Qualquer coisa acima disso está privilegiando o público ocidental e seus luxos supérfluos, inconcebíveis na pirâmide de Maslow da culinária chinesa. O restaurante Chi Fu, talvez o melhor chinês de São Paulo, atualmente perde pontos no Tripadvisor na categoria “Serviço”. Bingo: regra parece ser universal.

Quando eu ainda era criança e comecei a frequentar o You Yi, meu favorito em Porto Alegre, os pratos não eram muito limpos, as toalhas eram manchadas, baratas rodeavam pelos cantos e havia buracos no forro. Mas a “meia lua”, segundo meu avô, era melhor que a que ele comia em Shanghai. Hoje está reformado e você é bem tratado, mas vá sem medo que ele segue excelente.

Anthony Ling é neto de chineses e exigente com sua comida.