No jornalismo econômico, assim como na fotografia, um ângulo é tudo.

Duas matérias que circularam ontem chamavam atenção para um suposto problema de endividamento da Cosan.

Quem abriu o caminho foi a Agência Estado, com uma manchete que dizia, “Cosan/20F: Nível de endividamento pode afetar finanças e impedir cumprimento de obrigações”.

Horas depois, a Exame seguiu a mesma trilha: “Cosan alerta sobre dificuldades em cumprir obrigações financeiras”.

Obviamente, dado o pânico instalado nos mercados de crédito, esses títulos soam altamente plausíveis – e deixariam qualquer credor ou acionista da Cosan roendo as unhas.

Ocorre que as duas matérias têm como base os “Risk Factors” do Formulário 20-F que a Cosan – como todas as empresas sob jurisdição da SEC – envia anualmente ao regulador americano.

Ali, os advogados das empresas listam TODOS os fatores de risco (remotos ou não) que possam um dia ser questionados por acionistas; no caso da Cosan e suas controladas, contamos mais de 100.

Serve como uma espécie de seguro: se a empresa sofrer um revés mais adiante, os riscos estavam todos ali, declarados, o que livra a empresa de uma possível liability.  E, exceto por atualizações mínimas — refletindo riscos mais recentes como as repercussões da quebra de um banco — o texto é sempre padrão: os advogados copiam e colam de um cliente para o outro.

A Ultrapar, por exemplo, também alerta em seu 20F que “nosso nível de endividamento pode exigir o uso de parte significativa do fluxo de caixa da Companhia para cobrir a dívida.”

Como a Cosan passou a ter registro na SEC em 2021, este foi o segundo ano em que a empresa reporta os mesmos fatores de risco. Sua antecessora, a CZZ, usava a mesma linguagem desde 2015, pelo que conseguimos apurar.

A tempo: no final do último tri reportado, a Cosan tinha uma alavancagem de 2,2x EBITDA – um número que dificilmente merece uma manchete.