Terminou há poucos dias a temporada de desfiles masculinos internacionais para o inverno 2021/2022. 

Em vez da viagem e do hotel cinco estrelas em Paris e Milão, dessa vez os fashionistas e glitterati tiveram que assistir a tudo do sofá, vestidos com calças de moletom, blusas amplas e até envelopados por robes de chambre aconchegantes.

A ironia: o que estava na passarela era quase a mesma coisa.

Virtuais ou não, as coleções apresentadas nas passarelas sempre foram uma espécie de ‘leading indicator’ da indústria da moda — um forte indicativo do que de fato chegará às araras e consequentemente às ruas.

Este ano, ficou evidente a “casualização” do uniforme de trabalho corporativo, para homens e mulheres. O movimento, bien sûr, já vem de algum tempo. 

A menos que você tenha uma profissão mais tradicional, como a advocacia ou a política, há cada vez menos restrições de estilo, desde que mantido o bom senso (que também anda em falta, se não na advocacia, certamente na política.) 

Reflexo da sociedade e de sua própria história, a moda sempre absorveu transformações, fosse para comunicar um manifesto ou simplesmente sobreviver. Felizmente, nem a pandemia conseguiu mudar isso. 

A coleção de inverno da Ermenegildo Zegna, a maior grife masculina do planeta, por exemplo, foi batizada de (RE) SET. O discurso do diretor criativo Alessandro Sartori, um conhecido reformista da alfaiataria, dá uma boa pista do conceito. Conhecida por seus ternos e costumes impecáveis (duas peças, sem o colete, vale lembrar), a Zegna agora se propõe a praticar o (RE) TAILORING, ou, nas palavras de Sartori, “(RE) DEFINIR a alfaiataria para o homem moderno.”

Acontece que, nos últimos tempos, ficou difícil vender terno para quem foi forçado a trabalhar de casa. O que se vê na passarela da Zegna são, portanto, (re) interpretações da alfaiataria em versões relax, confortáveis e com referências esportivas. 

Além dos ternos (agora encalhados), a Zegna oferece agora uma calça de abrigo feita de lã – o mesmo material de seus ternos – com pregas e formas amplas, enquanto suas camisas clássicas foram substituídas na passarela por camisetas folgadas ou suéteres que remetem aos moletons. 

Já os blazers desta coleção são levíssimos e, assim como os casacos, fechados por cintos que remetem aos robes.

Gravatas? Nem pensar!  Muitos menos sapatos tradicionais, substituídos agora pelo tênis branco de couro que combina com tudo sem perder a elegância clássica. 

As roupas skinny — cuja transição das passarelas para as ruas demorou quase uma década, no início deste século — também desapareceram. O movimento agora é inverso: é a vida aqui fora ditando no que a passarela deve apostar. Ninguém quer roupa que aperte enquanto está em casa.

Não à toa, a apresentação da Zegna alternou modelos caminhando por prédios corporativos desertos e, em seguida, pelos cômodos de uma casa, sugerindo que dá pra continuar elegante mesmo lendo jornal na poltrona, assistindo à TV no sofá ou se vestindo para ir do quarto para a sala.

Já a Fendi ambientou seu desfile virtual em um verdadeiro clube noturno, com luzes do chão ao teto e trilha sonora animada, com intervenções da voz da designer Silvia Venturini com palavras-chave e questionamentos como “escuridão”, “luz”, “humanidade” e “o que é normal hoje?” 

Entre produções urbanas — com alfaiataria mais clássica e propostas esportivas e monocromáticas em verde, azul ou vermelho — brilharam os casacões acolchoados, também amarrados à la robe de chambre, jogados como verdadeiros edredons por cima de roupas feitas para o trabalho [será que as empresas vão liberar a ideia no futuro?]. Um pé fora e outro dentro de casa. 

As coleções das duas gigantes italianas são exemplos do que se viu no restante da temporada. A ideia de conforto aliado à simplicidade – de formas, cores ou composições – dominou os caprichados filmes-desfiles de boa parte dos integrantes do calendário italiano e francês.

Da alfaiataria desabada do belga Dries van Noten ao manifesto ‘black power’ da Louis Vuitton – no qual reinaram costumes em cores muito além do cinza ou do azul marinho “de escritório” e casacos bem compridos – passando pela descontraída união de trajes cerimoniais e vestes utilitárias, cheias de bolsos, da Dior, a ordem na moda é dar ao povo o que o povo quer — ou o que ele pode ter, nesse momento de restrição locomotora.

Que as coleções 2022 — se Deus quiser — possam voltar rapidamente ao clássico.


Sylvain Justum é consultor de moda.