O debate sobre os preços dos combustíveis explodiu junto com a guerra, com o Presidente da República dizendo hoje que a paridade do preço doméstico com o mercado internacional “não pode continuar,” pois “se tiver que repassar tudo, tem que dar aumento de 50%.”

Infelizmente para todos nós, o debate sobre o preço dos combustíveis não é um simples Fla-Flu, em que você decide ser “contra” ou “a favor” da Petrobras respeitar a paridade internacional.

A questão é cheia de nuances, e a política de preços adotada pela Petrobras pode, no limite, levar a um desabastecimento de combustíveis no Brasil além de comprometer a venda das refinarias da Petrobras – uma venda que seria salutar para o País até por reduzir a importância que a Petrobras tem no dia a dia dos brasileiros.

Esses nuances ficam mais expostas agora, quando a Petrobras não reajusta seus preços há mais de 50 dias. Com o rally histórico no preço do barril neste período – em função principalmente do conflito da Ucrânia – a defasagem entre os preços praticados pela Petrobras e os do mercado internacional cresceram muito, passando do patamar de 40%.

Desde que a Petrobras adotou a política de preços de paridade internacional, no governo Temer, nunca foi vista uma defasagem dessa magnitude.

Isso traz dois problemas graves.

O primeiro (e mais difícil da sociedade entender): dentro do seu plano de desinvestimentos, a Petrobras já vendeu duas refinarias, a da Bahia e a de Manaus. A da Bahia responde por 14% de todo o refino no Brasil. Ao contrário da Petrobras, as empresas que compraram as refinarias não são verticalizadas: se tiverem que praticar preços abaixo do mercado internacional, terão prejuízo na operação.

Em pouco tempo, os prejuízos acumulados comprometerão o funcionamento dessas refinarias e criarão instabilidade regulatória e insegurança jurídica, impedindo a continuidade da venda de outras refinarias.

No limite, pode acontecer com as refinarias privatizadas algo análogo ao que aconteceu com a concessão do Galeão: o setor privado desistir de operar.  Mas como as refinarias não são concessões, seus compradores não terão o “prazer da devolução”; em vez disso, terão que entrar na Justiça e, quem sabe, acabarão tendo que vender o ativo de volta por uma fração do que pagaram. Isso já ocorreu quando a Repsol comprou metade da refinaria do Rio Grande do Sul da Petrobras e, devido à política de intervenção nos preços, acabou vendendo de volta.

Os problemas enfrentados pelas refinarias privadas num ambiente de controle de preços não acontecem com a Petrobras.

Como é uma empresa verticalizada, a área de exploração e produção da Petrobras vende petróleo (a preços internacionais) para sua área de refino.  Como o custo de extração da Petrobras (antes de impostos) é cerca de US$ 5 e o petróleo está valendo, digamos, US$ 100 o barril, a margem bruta desta venda é de US$ 95/barril.  Quando a área de refino é impedida de vender seus derivados pelo preço do mercado internacional, é ela quem “entuba” o prejuízo.

Mas como a escala do lucro da área de E&P é muito maior que o prejuízo do refino, no final do dia a Petrobras ainda tem um saldo positivo – o que faz esse subsídio cruzado entre as duas áreas ser muito aplaudido por sindicalistas e políticos populistas sempre com o mesmo raciocínio raso: “Se o Brasil tem petróleo aqui, por que temos que praticar o preço lá de fora?”

O que eles não entendem (ou fingem não entender) é que o buraco é muito mais embaixo.

A Petrobras não é uma estatal, e sim uma empresa de capital misto. Portanto, tem obrigação de prestar contas a seus acionistas privados e não deve e nem pode ter essa política intervencionista, que no governo Dilma levou a um prejuízo de US$ 40 bilhões e a uma dívida de US$ 100 bilhões.

Um outro problema – ainda mais grave no curto prazo – é que defasagens de preço elevadas podem levar a um desabastecimento no mercado doméstico. O Brasil hoje importa 30% de seu consumo total de combustíveis. Mas se os preços no mercado interno ficarem muito abaixo do internacional, a importação perde competitividade, e as refinarias privadas serão estimuladas a exportar sua produção – afinal, lá fora o preço é justo.

É importante lembrar que a Petrobras recentemente deixou claro que não considera ter mais a obrigação de abastecer o mercado brasileiro. Até porque, depois da Lava Jato, há uma série de procedimentos e regras internas que impedem que diretores e o Conselho de Administração autorizem comprar combustíveis no mercado externo e vender a um preço mais barato no mercado interno.

Resumindo: quanto maior a defasagem entre os preços praticados pela Petrobras e o mercado internacional, maior será o risco de desabastecimento.

Roberto Campos, o grande economista e inigualável frasista da realidade nacional, dizia nos anos 70 que “a Petrobras é a única empresa monopolista estatal de um produto importado”.

Agora, por força das circunstâncias e de suas contradições intrínsecas, ela talvez seja a única empresa exportadora que tem uma dor de cabeça quando o preço do seu produto sobe.

Adriano Pires é fundador do CBIE – Centro Brasileiro de Infra Estrutura.