Nos últimos anos, os eVTOLs (electric vertical take-off and landing) se tornaram uma das grandes promessas do setor de aviação, atraindo centenas de milhões de dólares em investimentos.

Mas como vai funcionar esse mercado? Como está o desenvolvimento das aeronaves? Quais os maiores desafios?

Para responder essas perguntas, conversamos com André Stein, o CEO da Eve, a fabricante de eVTOLs controlada pela Embraer. 

Abaixo, trechos da conversa: 

Como está o processo de desenvolvimento? Em que fase vocês estão agora? 

 Andre steinEstamos justamente na fase de desenvolvimento. E não só da aeronave. Estamos desenvolvendo todo o portfólio de serviços de suporte e uma solução para o controle de tráfego aéreo urbano. Estamos seguindo muito do que trouxemos do aprendizado da Embraer. Somos uma empresa separada, mas continuamos trabalhando com a Embraer. Tudo isso está sendo desenvolvido usando os engenheiros da Embraer e usando os mesmos processos. 

Essa é uma relação de benefício mútuo, porque temos acesso à engenharia da Embraer, ao IP da Embraer e à infraestrutura deles. O site de Gavião Peixoto, por exemplo, é um dos maiores centros de teste de voo do mundo, e a gente pode usar junto com a engenharia da Embraer.

Mas como está o timing do desenvolvimento?

No começo do ano a gente teve a aprovação pela ANAC da entrada do nosso processo de certificação. Esse é um grande marco do projeto, porque significa que você está desenvolvendo algo junto com a ANAC, com a ANAC engajando recursos para o desenvolvimento. A ANAC é nosso órgão primário de certificação, mas estamos trabalhando também com a FAA dos Estados Unidos, e a ASA, da Europa.

Durante esse desenvolvimento, vamos ter vários marcos ao longo do caminho para entrar em operação em 2026. Temos trabalhado com provas de conceito, mas principalmente com os processos já estabelecidos de aeronaves, vindos da Embraer mesmo.

Como você acha que vai ser esse mercado no futuro em termos de competição? Porque hoje tem mais de 100 empresas desenvolvendo essas aeronaves…

Tem 100 empresas, mas as companhias sérias que estão desenvolvendo projetos reais são umas seis. Porque uma coisa é você fazer um drone grande e colocar uma pessoa dentro para testar ou brincar, outra é fazer um produto para a aviação, com escala, e que possa ser usado comercialmente. O nível de exigência para o uso comercial é muito maior. 

Ainda assim, acho que seis empresas continua sendo uma quantidade razoável. O que é bom, porque se tivesse só a gente não conseguiríamos movimentar o mercado. Você precisa desse movimento para criar o mercado, a rede de fornecedores, infraestrutura e adaptar o ambiente regulatório. 

Qual é o maior desafio técnico, de tecnologia, nessa parte de desenvolvimento?

Esse processo de certificação de algo novo é provavelmente o maior desafio, porque você está trabalhando junto com o ambiente regulatório para escrever as regras. E é uma aeronave certificada, então não tem nenhum atalho ou simplificação. Esse é o grande desafio.

Quando você fala de tecnologia, uma das belezas do conceito de inovação disruptiva é usar tecnologia numa aplicação nova, e não esperar uma nova tecnologia. Por exemplo, sempre aparece a dúvida: ‘como vai ser a bateria?’ Mas a gente está usando a tecnologia já existente de bateria. 

Hoje, as baterias estão muito longe de fornecer energia para levar centenas de passageiros a milhares de quilômetros – você não substitui um jato comercial por um avião elétrico. Mas aqui estamos falando de levar algumas pessoas por percursos não tão distantes. 

Então, em termos de tecnologia, de química, de célula, está ok com a tecnologia de hoje. Mas você tem todo um processo de certificação de algo novo, que não existia antes, que é muito complexo. 

É a mesma coisa que ouvimos dos desafios dos carros autônomos. É um desafio, mas não é uma barreira para a entrada em serviço. Nosso projeto é começar com a aeronave com um operador a bordo, com ela pilotada. 

Mas no médio prazo a ideia é que as aeronaves sejam autônomas?

Acho que esse médio prazo vai variar bastante de país para país. Tem várias visões. Mas a gente está preparado para acelerar isso, deixando o eVTOL o mais pronto possível em termos de tecnologia para ser autônomo no futuro. 

Mas estamos trabalhando junto com o ambiente regulatório para adquirir informação suficiente, dados reais, para virar a chave só quando entendermos que tem o nível de segurança que precisa ter.

Do ponto de vista da tecnologia, então, hoje você já tem tudo que precisa para colocar a aeronave em funcionamento?

Sim, tem. Mas não homologada para a aviação, e é aí que está o desafio. O próprio carro autônomo, se você parar pra pensar, tem alguns aspectos muito mais complexos do que o que a gente está falando [com os eVTOLs]. 

Quando você fala de mobilidade aérea urbana, você está operando num ambiente estruturado. Não é que você vai decolar e não sabe para onde vai. Você já decola sabendo seu destino final e todos os alternados possíveis no caminho. 

Então mesmo com o piloto a bordo já é algo muito mais fácil, é uma operação muito mais simplificada que a de um helicóptero, por exemplo. 

Outro ponto é que os eVTOLs são aviões fly-by-wire. Isso significa que eles têm um computador que comanda o avião; o piloto dá uma entrada nesse computador, mas é o software que faz tudo. 

Quando um piloto está voando um helicóptero ou um avião mecânico, o piloto está preocupado em mexer no controle. Já um sistema fly-by-wire é muito mais simples de operar. Hoje, a grande maioria dos aviões comerciais são fly-by-wire, mas na categoria de aviões menores ainda é meio novidade. 

Qual vai ser o principal uso do eVTOL? 

O grande mercado que a gente vê é o urbano. Mas qualquer trecho que tenha essa distância mais curta, que possa se beneficiar, será um mercado potencial. No começo da operação, estamos falando de uma autonomia máxima de uns 100 quilômetros.

Os eVTOLs vão substituir os táxis e Ubers, por exemplo?

Não substituir por completo. É uma substituição ocasional do transporte terrestre. Quando eu falo que não vai substituir é porque o táxi e Uber não vão deixar de existir. Os eVTOLs vão ser complementares a eles. Então se você está com tempo você vai de carro. Mas se precisa de rapidez, aí usa um eVTOL.

Isso se tornou ainda mais interessante com a história do trabalho híbrido. Porque como você vai para o escritório uma, duas vezes na semana, você não precisa mais morar do lado do escritório, pode morar num apartamento mais afastado e maior. E indo de vez em quando faz mais sentido ainda a mobilidade aérea urbana. 

Mas como vai funcionar? Você vai ter um app onde você vai chamar a aeronave e ela vai parar perto da sua casa? 

Não. É muito similar ao que temos na aviação comercial. Você vai ter ‘vertiportos’ pré-definidos, e a ideia é que a quantidade de ‘vertiportos’ vá aumentando com o tempo. Num mercado maduro, a perspectiva é que você esteja sempre perto de um ‘vertiporto’. 

No ano passado operamos um helicóptero no Rio em uma rota, e publicamos o conceito de uma operação, de como ela funcionaria, e o número de operações e de ‘vertiportos’ na cidade. Numa cidade como o Rio você estaria falando de uma frota de uns 240 eVTOLs voando em uma malha de ‘vertiportos’ espalhados pela cidade.

Outro ponto é que temos que garantir que a entrada no veículo é fácil. Se você tiver que fazer um processo de embarque que demora 20 minutos, você já perde parte da atratividade. Então tem que garantir que seja super suave. Tem que garantir a eficiência.

Mas você pode sim comprar a viagem num aplicativo. No Rio, fechamos uma parceria com a Flapper, por exemplo. Mas o modelo vai depender muito do modelo de negócio de cada um. Daria tanto para comprar uma passagem para as 15h, que você já sabe que tem um voo, quanto ver na hora se tem um voo disponível para o aeroporto. 

O limite dos 100 km é por conta da bateria?

Sim. Essa é a beleza da inovação disruptiva… A bateria ainda está muito longe de ser capaz de levar centenas de pessoas por centenas de quilômetros, mas você leva algumas pessoas em trajetos curtos. Mas com o tempo a tendência é que isso vá aumentando. 

Eu pensava que um caso de uso interessante seriam as viagens curtas: ir para o litoral ou o interior, por exemplo.

Mas são 100 quilômetros aéreos, o que dá uns 150 quilômetros de carro. Então você consegue chegar até o comecinho do Litoral Norte de São Paulo, até Santos você chega, até Campinas, até São José dos Campos. Para esses deslocamentos mais curtos entre cidades também daria para usar. 

Por que estamos dimensionando ao redor disso? Porque vemos a maior necessidade ali na mancha urbana mesmo. Dentro de São Paulo você pega tudo com 100 quilômetros. Na verdade, a missão média que vemos é em torno de 30 quilômetros, que já dá para cruzar a cidade inteira quase. E 50 quilômetros em São Paulo você pode demorar cinco horas facilmente de transporte terrestre. 

E em quanto tempo você faria esse trajeto no eVTOL?

Em 10-15 minutos… Você não resolve o problema de trânsito da cidade, mas cria uma opção muito interessante. É uma integração de opções. Você terá o transporte público, o carro e o eVTOL.

Existe risco da Eve não conseguir a certificação?

É um processo complexo. Mas eu diria que a gente está bem posicionado. A ANAC já aceitou nossa entrada no processo de certificação, o que é um marco importante. E com o grupo Embraer temos muita experiência. Foram 30 modelos de aeronaves que foram certificados pela ANAC, FAA, ASA nos últimos 25 anos, mais de um por ano. Não tem ninguém no mundo que tenha essa experiência toda. Se tem alguém que pode acertar é a Embraer. 

Tem risco? Tem, porque é um processo complicado. E o que deixa a aviação tão segura é esse processo. Mas estamos numa posição muito boa. Melhor do que a maioria dos novos entrantes. 

Para operar nos EUA, você precisaria de uma certificação lá também né? A da ANAC só vale pro Brasil?

Sim. Mas qual a vantagem da ANAC? Ela é um dos órgãos certificadores mais respeitados do mundo e tem um acordo bilateral com a FAA. Então você não tem que recertificar necessariamente, você só valida. A última aeronave comercial certificada pela Embraer, o E2, recebeu a certificação da ANAC, FAA e ASA no mesmo dia. Porque são processos paralelos. Então se conseguirmos a certificação da ANAC a chance de conseguir as outras é muito grande.

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