Quem amava carros no Brasil dos anos 90 em algum momento se mesmerizou com as rodas douradas e o ronco do V8 de um ícone da década: o Jeep Grand Cherokee.

Naquele mercado recém-reaberto às importações, o Grand Cherokee introduziu aos brasileiros um segmento até então desconhecido por aqui – o dos SUVs de luxo – e tornou-se um queridinho das celebridades locais, particularmente jogadores de futebol e atores globais.

Fazer SUVs de luxo está no DNA da Jeep há tempos – existe, inclusive, uma saudável disputa à la Irmãos Wright vs. Santos Dumont sobre quem de fato inventou o segmento: se a Jeep com sua Wagoneer de 1962, ou a Land Rover com o Range Rover original, de 1969.

A diferença é que, ao contrário da marca inglesa, a Jeep não ancorou sua identidade aos estratos mais luxuosos do mercado, e ao longo das décadas deixou esse lucrativo (mas ultracompetitivo) segmento “cair da mesa” algumas vezes – especialmente no mercado brasileiro.

O lançamento nacional da mais recente geração do Grand Cherokee, ocorrido na semana passada em São Paulo, exemplifica bem essa vida de idas e vindas. A atual geração do carro, denominada WL, abocanhou uma avalanche de prêmios da imprensa especializada norte-americana – mas isso aconteceu dois anos atrás, quando o carro surgiu por lá.

A geração anterior, WK2, parou de ser oferecida no Brasil no final de 2019.

Não perdemos muito: lançada em 2011, era um carro já cansado, cuja longevidade excessiva ilustrava bem o quão conturbada foi a vida da Jeep nas décadas anteriores: a marca, pertencente à Chrysler desde 1987, atravessou a desastrosa fusão com a Daimler em 1999, embrião da falência da Chrysler em 2009, que levou à venda por um valor simbólico para a Fiat no mesmo ano.

Em menos de uma década, a Fiat Chrysler ali nascida precisou fundir-se aos franceses da PSA para manter-se competitiva, dando origem à Stellantis em 2021.

Em suma, por anos faltou dinheiro para desenvolver e manter o Grand Cherokee perto dos líderes de uma classe tão competitiva. A geração WJ chegou para, finalmente, recuperar o tempo perdido.

E o fez de forma competentíssima. Nos EUA, vendeu mais de 264 mil unidades no ano de estreia, tornando-se o primeiro Jeep a superar o Wrangler como carro-chefe da marca em décadas, e conquistando o oitavo posto como veículo mais vendido dos EUA. Ano passado, sem o verniz de novidade, ainda foram 223 mil unidades e o décimo posto.

Números que tornam a estratégia escolhida pela Jeep para o Brasil um tanto… decepcionantes. “Nosso” Grand Cherokee chega em versão única, a híbrida 4xe, e preço também único: R$ 569.990.

É um ticket de entrada alto, maior do que o do líder entre os SUVs grandes de luxo no Brasil, o Volvo XC90. No evento de lançamento, BMW X5, Mercedes GLE e até o Porsche Cayenne híbrido, que parte de R$ 690 mil, foram citados pela Jeep como principais concorrentes.

São marcas fortíssimas, mais fortes que a própria Jeep nesse segmento, o que torna certa falta de ousadia nas escolhas para o nosso mercado um tanto quanto incompreensível.

Opostamente a um carro que nos anos 90 tinha rodas douradas, V8ão gritando e garantia um lugar na frente da balada no valet, o atual chega com discrição – cores, por exemplo, na prática não há. Quatro opções com ausência de pigmentação são oferecidas: branco, prata, cinza e preto.

Debaixo do capô, mais discrição: o conjunto híbrido une um 2.0 quatro cilindros turbo (o mesmo Hurricane que equipa a picape RAM Rampage) a um motor elétrico para uma potência total de bons 380 cv, e torque máximo de 64,9 kgfm, suficientes para leva o jipão de 0 a 100 km/h em apenas 6,3 segundos. Mas não espere um ronco empolgante enquanto chega até lá. E a autonomia andando no modo 100% elétrico é de apenas 29 km.

No interior, ainda mais discrição: um oceano de preto sobre preto aplicado aos materiais, de alta qualidade sim, mas que perdem seu flair nessa escuridão. Ano passado nos EUA, em uma roadtrip de Nova York a Washington, este Brazil Journal experimentou a versão de topo por lá, a Summit, com o mesmo powertrain híbrido. O que mais chamou a atenção foi justamente o interior caramelo com madeira em tom cereja, digno de um Range Rover custando quase o dobro.

Aos ianques, além de versões de acabamento superior, o carro oferece opções interessantes para o gosto brasileiro, como motorizações V6 e V8 e uma carroceria alongada de sete lugares, o Grand Cherokee L. Vale lembrar que o líder XC90 vem para o Brasil apenas na configuração para sete passageiros.

Tanta discrição talvez seja causa (ou efeito?) do target bastante modesto para o Grand Cherokee em nosso mercado: apenas 150 unidades no lote inicial em 2023. É pouco para um segmento que, ano passado, movimentou 9 mil unidades no Brasil.

Com mais versões, mais cores e mais personalidade, o ótimo Grand Cherokee, com seu nome lendário para uma geração de brasileiros, certamente “pode mais”.