O Tribunal de Contas da União se reúne hoje às 16 horas para dar sinal verde à privatização mais consequente dos últimos anos – ou para sepultar a capitalização da Eletrobras, mantendo a companhia à mercê da classe política.
Antes de entrar no mérito do julgamento de hoje, é preciso chamar as coisas pelo que elas são.
Assim como a Petrobras, Eletrobras sempre foi uma vaca sagrada de tetas suculentas – desde aquele feudo chamado Furnas, tão sagrado para os políticos de Minas, até a CHESF, igualmente o xodó da elite política local.
Certa vez, um ex-CEO da Eletrobras se indispôs com um importante senador da República quando – imagine só – nomeou um presidente de Furnas que não era mineiro e mandou fechar o escritório de Furnas em Belo Horizonte.
O projeto de capitalização da Eletrobras, aprovado pelo Congresso, prevê que o mercado vai aportar cerca de R$ 25 bilhões na empresa. A Eletrobras, por sua vez, vai pagar ao Tesouro – ao longo da concessão – um total de R$ 67 bilhões.
Esse dinheiro terá diversos destinos: investimentos na revitalização de bacias hidrográficas, redução na conta de luz de milhões de brasileiros e abatimento da dívida pública.
Mas eis que, na reta final do processo, semanas atrás começaram a surgir na imprensa narrativas sobre um suposto “erro de cálculo” no valor da outorga.
Segundo assessores do Ministro Vital do Rego – um notório opositor da privatização – a Eletrobras estaria pagando menos ao Tesouro do que deveria.
O argumento é técnico demais, mas essencialmente consiste no seguinte: como a Eletrobras está recebendo a concessão de hidrelétricas e as hidrelétricas são a fonte de energia com maior lastro (maior confiabilidade de entrega do que, por exemplo, a energia eólica), esse “lastro” teria que ser cobrado da empresa.
Felizmente, ao contrário do que os oponentes da privatização apontam, a conta da outorga já inclui o lastro. Precificá-lo de novo seria, este sim, um erro clássico de ‘double counting’ – até porque não existe arcabouço legal e regulatório para a remuneração dos atributos das fontes de energia. Em outras palavras: o preço de longo prazo utilizado já coloca tudo “no mesmo bolo”, lastro e energia.
Se existe algum número fora do lugar na outorga, trata-se de uma sobre (e não sub) avaliação.
O modelo de capitalização da Eletrobras foi desenhado no ano passado – um ano marcado por uma crise hídrica épica que pressionou toda a curva de preços de energia.
Assim, o valor da outorga embute um preço de energia de R$ 230/MWh para o período 2023-26, enquanto a curva de preços agora indica R$ 174/MWh para aquele período.
Para o período após 2027, para o qual não há contratos no mercado livre, o valor da outorga embute um preço acima de R$ 170/MWh enquanto bancos de investimentos estimam R$ 150/MWh.
O Executivo também acatou a recomendação do Ministro Aroldo Cedraz do TCU, que pediu preços mais agressivos para o período pós 2028.
Se em vez dos preços arbitrados pelo Governo, o modelo recebesse como input a curva de preços de mercado, o valor da outorga teria que ser reduzido em R$ 18 bilhões.
Mas o mato na Eletrobras é tão alto – e os ganhos de eficiência com a privatização tão grandes – que os investidores têm topado até mesmo esta superavaliação.
A tentativa de jogar (de novo) o preço para cima é um esforço mal disfarçado de melar a venda com argumentos técnicos que não param de pé.
Não há erro de cálculo na Eletrobras. O que existe é a dificuldade do interesse público de triunfar sobre interesses políticos e corporativos paroquiais.
Nos últimos anos, a maioria do TCU tem sido pragmática e ajudado o País a avançar. Tomara que hoje não seja diferente.