Em 1927, no munícipio de Aveiro, no estado do Pará, um certo empresário norteamericano aterrissou para um projeto ambicioso.

O Presidente Washington Luís, o último da Republica Velha, governava o Brasil, então uma potência na exploração de uma commodity mundial, o látex, extraído das seringueiras e transformado em borracha. 

Foi justamente isso que atraiu aquele empresário americano, Henry Ford, ao Brasil. A indústria do automóvel estava surgindo nos Estados Unidos, e a Ford lançava seus Ford “T” no mercado. Para garantir seu suprimento, o projeto de Ford era montar no país a maior fábrica de pneus do mundo, aproveitando a produção do látex brasileiro. 
 
Numa empreitada audaciosa, Ford negociou uma área de mais de 14 mil km2 e fundou o distrito agro-industrial de Fordlândia. Empolgado com o empreendimento, o governo brasileiro concedeu à Ford uma série de benefícios e isenções de impostos e taxas para a exportação de pneus.

A Ford chegava ao Brasil já com incentivos fiscais. Por uma série de fatores locais, incluindo problemas com trabalhadores, logística em plena floresta amazônica e mesmo a produção de látex em outros lugares do mundo, o projeto foi se mostrando inviável.

(O livro “O Ladrão do Fim do Mundo” conta que mudas de seringueiras brasileiras foram levadas para o Jardim Botânico de Londres, e de lá chegaram à Ásia, criando uma indústria de borracha concorrente à brasileira — um dos primeiros crimes de biopirataria do mundo.) 

De volta à Ford:  sem experiência na produção agrícola e sem o conhecimento dos problemas de uma área com a complexidade da Amazônia, a Ford não conseguia extrair o látex das seringueiras nas quantidades que imaginava, entrou em conflito com os trabalhadores locais e com o próprio governo.

 
Começava ali a ideia, tão presente nas teses nacionalistas implantadas no país, de suspeitar de investimentos estrangeiros feitos na Amazônia. A Ford encerrou o acordo com o Brasil em 1945, deixando como legado o município de Fordlândia, perdido no meio da Amazônia. O Brasil, por sua vez, jogou fora a oportunidade de aproveitar a sua vantagem comparativa de ser um grande player internacional na venda de látex em pleno ciclo da borracha.
 
Em 2021, de certa forma, a história se repete. A Ford anunciou o fim das suas atividades no Brasil, com o fechamento das suas operações em Camaçari e Taubaté. A saída do país encerra um segundo capítulo da história da marca no Brasil. 

Apesar dos quase 90 anos de diferença de um capítulo para o outro, nossa estratégia para atrair empresas permaneceu a mesma: a concessão de subsídios e benefícios fiscais. 

Nos últimos 63 anos, o país gastou os proverbiais rios de dinheiro em benefícios fiscais, ajudas e incentivos para as montadoras,  com resultados no mínimo questionáveis. 
Não faltaram, em diferentes governos, programas para tentar corrigir ineficiências e custos brasileiros para manter as montadoras no país a qualquer preço. 

Mesmo assim, mais uma vez a conta chegou. O custo Brasil superou os incentivos, e algumas indústrias são obrigadas a fechar suas operações. 

O tradeoff entre os incentivos fiscais e o Custo Brasil parece não ser suficiente para manter as empresas aqui.
 
As duas saídas da Ford do Brasil são situações muito semelhantes de políticas econômicas e públicas equivocadas e ineficientes em diferentes momentos da história. Continuamos a usar a mesma receita para corrigir os mesmos problemas, e esperamos resultados diferentes… 

O Brasil continua jogando para debaixo do tapete seus reais problemas, e empurrando com a barriga as reais soluções. 

Ao invés de aceitarmos o desafio de reformas ousadas como diminuir os encargos trabalhistas, simplificar o labirinto tributário e dar segurança jurídica e regulatória aos investimentos, sempre preferimos a fórmula simplória e errada de criar uma isenção aqui, outra ali. 

Conceder subsídios ou incentivos fiscais pode ser uma política boa para o país, desde que os resultados maximizem as nossas vantagens comparativas, gerando empregos e renda. Mas para isso, é preciso um plano de país, como foi feito em diversos países asiáticos.
 
No mundo pós-pandemia, precisaremos de projetos que aumentem a nossa participação no comércio mundial. Nossa grande vantagem comparativa é sermos grandes produtores de commodities agrícolas e minerais, como a soja e o açúcar, passando pelo minério de ferro e o petróleo — tudo que o mundo precisa para voltar a crescer. 

Porém, por um complexo de vira-lata, não entendemos a importância que possuímos no cenário mundial como grandes produtores dessas commodities. Com isso, não conseguimos aproveitar nossas vantagens comparativas nesses setores, perdemos oportunidades, perdemos mercado e vamos ficando cada vez mais para trás no jogo. 

O governo — ao invés de incentivar um polo de montadoras de automóveis e de indústrias do século passado — deveria focar esforços na construção de uma infraestrutura essencial de alta qualidade e baixo custo, envolvendo portos, estradas, ferrovias e dutos. 

Isso reduziria o custo Brasil e nos tornaria ainda mais competitivos como fornecedores de commodities para o planeta. Não há nada melhor para gerar empregos do que investimentos em infraestruturas. 

Precisamos abrir nossa cabeça, acordar para o mundo, mudar de estratégia e reinventar o Brasil.

 
Adriano Pires é fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).  Pedro Rodrigues é sócio do CBIE e criador do canal Manual do Brasil, no YouTube.