NOVA YORK — “Criar um jardim sem amor é como construir uma casa de tijolos sem cimento”, diz a frase na parede. 

O verão em Nova York traz muitas alegrias, mas poucas serão tão marcantes e memoráveis quanto “Brazilian Modern. The Living Art of Roberto Burle Marx”, a maior exposição já montada nos 128 anos do New York Botanical Garden, no Bronx. 

Este lugar superlativo — o maior jardim botânico urbano dos Estados Unidos — homenageia as seis décadas de carreira do mais proeminente paisagista e arquiteto da segunda metade do século 20. 

Antes de morrer em 1994, aos 84 anos, Roberto Burle Marx deixou cerca de três mil jardins públicos e privados espalhados pelo mundo: o do Instituto Moreira Salles, no Rio; o da sede da Unesco, em Paris; o da Organização dos Estados Americanos (OEA) em Washington, bem como os jardins da sede original do Ministério da Educação e Saúde, no Rio, adornando a obra de Oscar Niemeyer. Em Brasília, seu traço está por toda parte: do Itamaraty ao Palácio da Justiça.

Burle Marx assinou ainda as curvas do calçadão de Copacabana, os jardins do Aterro do Flamengo, e o redesenho do calçadão da Biscayne Boulevard, no centro de Miami, um projeto finalizado dez anos após sua morte.

Ao começar sua carreira na década de 30, os jardins brasileiros seguiam o padrão simétrico francês — até as plantas eram importadas. Burle Marx vira a tradição pelo avesso:  torna-se um defensor da flora nacional e faz inúmeras incursões por nossas florestas, descobrindo cerca de 50 novas espécies até então inexploradas. 

Filho de intelectuais — pai judeu alemão e mãe pernambucana — Burle Marx nasceu em São Paulo e passou um ano na Alemanha com a família antes de todos se mudarem para o Rio de Janeiro. 

A cidade tornou-se seu templo.  Lá, foi aluno de pintura do alemão Leo Putz, na Escola Nacional de Belas Artes, em 1927, e de Cândido Portinari na UFRJ, em 1935. 

Na zona oeste da cidade, criou seu famoso sítio no lugar de um antigo engenho, fazendo dele seu lar a partir de 1972. Ali, literalmente pintava e bordava: revestiu a casa com azulejos azuis, telas e tapeçarias, além dos jardins que abrigam harmonicamente 3.500 espécies de plantas nativas. 

Com entusiasmo transbordante, a diretora do Botanical Garden, Carrie Rebora Barratt, reuniu curadores e horticultores que por três anos projetaram a reconstrução de alguns de seus designs. 

“Burle Marx foi revolucionário”, ela disse ao Brazil Journal. “Além da capacidade organizacional refletida em suas formas e cores, ele dedicou sua vida à inclusão da flora brasileira em seus projetos mais rebuscados. Espero que esta mostra evoque os mesmos sentimentos que tive ao caminhar pelo Sítio e por mais três jardins privados que visitei no Rio.” 

A mostra tem 20 patrocinadores, incluindo a Natura e a Bloomberg Philanthropies, que preparou um guia digital interativo. 

No Botanical Garden, o paisagista Raymond Jungles, pupilo de Burle Marx, orquestrou o “Modernist Garden”, reproduzindo parte da parede de concreto feita em 1983 no interior da sede do Banco Safra em São Paulo. A obra é acompanhada por plantas brasileiríssimas, algumas vindas da Flórida, como palmeiras, cicadáceas, bromélias e orelha-de-elefante. E ainda o chão de linhas sinuosas que lembram o calçadão carioca. 

A exposição estende-se ao Library Building, uma imponente construção de 1899 localizada na entrada do jardim botânico, que abriga o maior arquivo de botânica e horticultura das Américas. Em uma das galerias, o historiador de arte e curador Edward J. Sullivan, especializado em América Latina e Caribe, reuniu pinturas, em tela e tecido, além de tapeçarias, uma delas de três metros feita em 1971, vinda do Art Institute of Chicago. Seu transporte exigiu o desmonte de uma janela, mas valeu a pena. 

“A exuberância da natureza brasileira traduziu-se em sua persona artística, em suas pinturas, jardins e em tudo o que ele fez. Ele era muito orgulhoso de suas raízes,” Sullivan me disse.

Para completar, ainda no mesmo prédio, uma grande sala imita o interior de sua casa: uma mesa gigante dispõe lápis em tons de azul e papéis brancos, estilo post-it, convidando os visitantes a pintarem novos “azulejos”. Os papéis são colados na parede, formando um democrático mosaico, lado a lado a uma imensa foto de Burle Marx ali mesmo, no sítio.

Em apenas três anos, esta é a segunda vez que Nova York dedica uma mostra solo a Burle Marx: em 2016, o Jewish Museum reuniu em sua galeria principal mais de 150 trabalhos, entre fotos, tapeçarias, jóias, maquetes e sketches — incluindo a do Aterro do Flamengo, e o interior de uma discreta sinagoga no Rio de Janeiro. 

Mas a primeira homenagem ao mestre foi em 1943, quando o MoMA incluiu fotos da Fazenda Garcia, em Petrópolis, e a construção da Lagoa da Pampulha numa mostra intitulada “Brazil Builds: Architecture New and Old 1652-1942.”  

A mostra no Botanical Garden vai até 29 de setembro.

DICAS:  

Tickets e programação – nybg.org 

Para chegar lá, pegue o trem Metro-North na Grand Central Station e siga na Harlem Line para a estação Botanical Garden.  O trem deixa na porta, e a viagem dura apenas 20 minutos.