Este artigo seria para domingo. Hoje, no entanto, fomos surpreendidos pela decisão do Governo de encaminhar contra a posição do Ministério da Economia e ampliar as categorias de servidores que podem receber reajustes em meio à crise.
 
10217 7fb5382b b725 0000 0004 faa7debec591Fica claro que Brasília desconhece a gravidade da crise que o país atravessa.
 
Muitos têm defendido a expansão irrestrita do gasto público. Bastaria, dizem, garantir que a dívida se estabilize após a pandemia.
No entanto, calculados os programas aprovados e as propostas em discussão, a dívida pública continuará a crescer por mais de uma década.
O déficit público poderá ultrapassar R$ 700 bilhões este ano com as medidas adotadas, cerca de 10% do PIB.
O auxílio aos estados e municípios custará mais de R$ 110 bilhões, quase todo destinado a pagar salários e aposentadorias. Os programas de crédito e postergação de tributos beneficiam até mesmo empresas inadimplentes há anos.
O auxílio de R$ 600 aos informais por três meses, por sua vez, exigirá entre R$ 130 bilhões e R$ 165 bilhões, dependendo do total de beneficiários, que pode passar de 70 milhões de pessoas.
Existem, porém, apenas cerca de 43 milhões de trabalhadores informais e autônomos. A dificuldade em identificar quem perdeu renda tem sido o responsável pelo aumento descontrolado dos benefícios.
A dívida pública passará dos atuais 78% do PIB para perto de 100% em 2023 — mesmo com queda da taxa de juros — continuando a aumentar durante a década mesmo se a economia crescer 3% em 2021 e 2% nos anos seguintes.
Outras medidas ampliam as despesas obrigatórias, como o maior acesso ao BPC, o crédito subsidiado para as pequenas empresas e o novo Fundeb. A conta aqui fica em torno de R$ 50 bilhões por ano.
Mas tem mais.
Existem também propostas para expandir o investimento público. Resta saber se, como no passado, esses gastos adicionais resultarão em mais obras inacabadas ou demasiadamente caras.
Como se não bastasse, há demandas por novos benefícios para servidores e setores econômicos.
Vale lembrar que, em 2019, a tributação sobre o lucro dos bancos e das empresas, que já pagam alíquotas nominais de 45% e 34% respectivamente, foi de R$ 260 bilhões. Mas daqui para frente, os lucros deverão despencar por um bom tempo, dificultando a retomada. Isso mostra a dificuldade de um aumento da receita e evidencia, mais uma vez, a fragilidade de muitas soluções mágicas para os difíceis problemas que enfrentamos.
Para piorar, a queda da rentabilidade dos investimentos (das empresas e das pessoas) tem sido acompanhada pelo aumento do risco em razão da instabilidade política, insegurança jurídica e do descontrole das contas públicas, levando à saída expressiva de recursos do País.
Há quem argumente que a crise revela a necessidade do Estado voluntarista. Temo que seja o contrário. Nossa reação disfuncional revela um Poder Público que tem dificuldade em cuidar dos realmente vulneráveis enquanto concede facilmente novos benefícios aos grupos de interesse.
 
Podemos continuar inertes frente ao descontrole, ou insistir em reformas que reduzam os gastos obrigatórios e levem a carga tributária a um nível compatível com a qualidade dos serviços prestados à sociedade. A escolha é sempre nossa.

Marcos Lisboa é economista.