É praticamente um milagre.
Num dia histórico para uma sociedade que insiste em manter um Estado empresário – com vacas sagradas que incluem a Petrobras e o Banco do Brasil – o governo concluiu um aumento de capital de R$ 30 bilhões na Eletrobras, colocando a maior empresa de energia renovável da América Latina sob controle privado pela primeira vez.
A Eletrobras – por décadas um confiável cabide de empregos para o establishment político, e cada vez com menos capacidade de investimento – vendeu novas ações a R$ 42, diluindo a participação da União numa empresa historicamente tida como “estratégica” por amplos setores do espectro político brasileiro, particularmente à esquerda.
Depois da oferta, a participação da União e do BNDES na empresa será diluída de perto de 60% para cerca de 37% do capital total – e, pelas novas regras que governam a empresa, o Estado poderá votar apenas 10% do capital.
A operação – uma das maiores do mercado de capitais brasileiro – somou R$ 33,6 bilhões (incluindo o greenshoe) , com R$ 2,9 bilhões desse total indo para a BNDESPar, que vendeu parte de sua posição.
A demanda chegou a R$ 70 bilhões em diversos níveis de preço.
Cerca de R$ 3 bilhões do total foram alocados para o investidor de varejo; R$ 6 bilhões para trabalhadores que usaram os recursos de seu FGTS; e outros R$ 4,5 bi para acionistas atuais, como Banco Clássico e 3G Radar, na chamada oferta prioritária.
A transação enfrentou oposição dentro do TCU e em amplos setores da imprensa, obcecada pelos jabutis que obrigam a União a promover leilões para a construção de 8GW de térmicas mas que, no final, garantiram o alinhamento político necessário para a aprovação da lei.
A transação foi lançada há 15 dias com uma ancoragem de R$ 13 bi. As maiores ordens eram do GIC e CPPIB — cada uma de R$ 4 bi – e de grandes investidores locais como SPX e Truxt. (A ordem mínima para o papel de âncora era de R$ 1,5 bi.)
No entanto, as ordens dessa ancoragem estavam condicionadas a um preço de R$ 40 ou abaixo.
Os ministérios da Economia e das Minas Energia e o BNDES tinham um preço mínimo (secreto) aceitável para a operação, que uma fonte próxima ao Governo disse ser de R$ 41,20 por ação. Um book abaixo disso poderia levar ao cancelamento da oferta.
Por volta das 18h, os bancos coordenadores disseram ao mercado que estavam fixando a faixa da operação entre R$ 42 e R$ 42,50. Quem tivesse ordens abaixo desse intervalo poderia aumentar seu preço e migrar para esse patamar; quem não fizesse isso ficaria de fora da operação.
Entre os âncoras, GIC e CPPIB não migraram, e a ancoragem caiu drasticamente – em vez de sobrarem “apenas” R$ 7 bi, o mercado teve que absorver R$ 15 bi.
O problema é que muitos investidores, a partir das informações iniciais sobre a ancoragem, colocaram ordens infladas; eles contavam com um rateio de 20%, que acabou subindo para 70% nas novas condições do book.
Com a definição da faixa, vários investidores diminuíram as ordens e a demanda institucional acabou ficando próxima a 2 vezes a oferta.
As maiores ordens foram da gestora americana Millennium e da Itaú Asset, ambas com mais de R$ 1 bilhão; além das gestoras Truxt e Squadra.
A Eletrobras vai usar os recursos captados na renovação de concessões de 22 usinas que estavam para vencer – a maior delas, Tucuruí – e vai acabar com o regime de cotas adotado no governo Dilma que prevê que a empresa comercialize energia a preços muito baixos, com prejuízo.
A tese da privatização foi apresentada aos investidores com uma série de outros benefícios operacionais e de governança. A empresa falou, por exemplo, na possibilidade de ir ao Novo Mercado.
Num detalhe-chave para o futuro da empresa, a Eletrobras fez alterações em seu estatuto e limitou o poder de voto de qualquer acionista ou grupo organizado a 10% do capital.
Agora, os acionistas terão que criar uma nova governança, acomodando seu jogo de forças num novo conselho.
A limitação de voto a 10% das ações também vale para a União, dona de uma golden share que dá direito a veto a alguns temas, incluindo a mudança dessa regra que limita o voto a 10% do capital.
Além disso, a Eletrobras colocou uma poison pill em seu estatuto que tenta dificultar a tomada de seu controle. São duas regras. Uma delas diz que se um acionista alcançar 30% das ações ordinárias, terá de fazer uma oferta por toda a companhia pagando o dobro da maior cotação alcançada nos dois anos anteriores.
A outra regra diz que se um acionista atingir 50% das ações da empresa, terá que fazer uma oferta pela empresa pagando o triplo da maior cotação dos últimos dois anos. O mercado interpretou essa medida como uma forma de impedir que um novo governo retome o controle da empresa.
Além disso, a Eletrobras entende que terá mais capacidade de investimentos, mais agilidade para movimentos estratégicos, além de conseguir otimizar custos, melhorar sua estrutura de capital e eficiência fiscal.
A empresa não vai mais precisar contratar funcionários através de concurso público e terá mais flexibilidade para ajustes e remunerações por performance.
Agora, o mercado espera que a Eletrobras passe por uma nova onda de redução de custos. A gestão anterior vendeu todas as participações que a Eletrobras detinha nas distribuidoras estaduais; agora, o mercado espera cortes em geração e transmissão.
A oferta que desestatizou a companhia foi uma construção coletiva, envolvendo vários membros do Governo e do Legislativo, como o deputado Elmar Nascimento, relator do PL; o ex-ministro Bento Albuquerque, das Minas e Energia; Marisete Pereira, a secretária executiva do Ministério; e o ex- e o atual presidentes da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior e Rodrigo Limp, além do corpo técnico do BNDES.
Os coordenadores da operação foram BTG Pactual, Bank of America, Goldman Sachs, Itaú BBA, XP Investimentos, Bradesco BBI, Caixa Econômica Federal, Citi, Credit Suisse, JP Morgan, Morgan Stanley e Safra.
A estruturação do processo foi coordenada por BR Partners e Genial.