MOUNTAIN VIEW, Califórnia – Em meio à correção das Bolsas e o movimento de flight to quality, os gestores de fundos de venture capital têm um recado aos empreendedores: aproveitem a crise para tentar tornar seus negócios mais lucrativos – ou simplesmente lucrativos. Para esse tipo de startup, o dinheiro vai continuar disponível.

O tema permeou diversos painéis da Brazil at Silicon Valley, a conferência que reúne dezenas de investidores e empresários e cuja quarta edição terminou ontem.

“Quando há muito dinheiro fluindo, como aconteceu nos últimos anos, diversos empreendedores nem param para pensar no que estão criando, só querem pegar esses recursos”, disse Kevin Efrusy, sócio da gestora Accel.

Sem a “distração do dinheiro fácil”, os empreendedores podem reavaliar seus negócios e torná-los mais sólidos. “Uma crise não deve ser desperdiçada”, acrescentou Efrusy que, entre outras coisas, liderou o investimento da gestora no Facebook ainda em 2005.

David Krane, CEO do Google Ventures, lembrou que “empresas relevantes surgiram em períodos de trepidação econômica” – caso do Airbnb, Uber e do próprio GV. “A história deve servir de inspiração.”

Para Shernaz Daver, sócia e CMO da Khosla Ventures, os empreendedores que forem conservadores demais podem perder oportunidades e ficar para trás.

“É preciso tentar alongar os recursos que você tem e focar em prioridades”, disse ela. “Mas sem deixar de investir.”

Marcas perecíveis  

Daver é uma das principais especialistas em marketing e tecnologia da atualidade. Antes da Khosla Ventures, ela trabalhou em empresas como Walmart, Udacity, Google Ventures, 10xGenomics e Netflix (na época da disputa com a finada Blockbuster).

Para ela, as marcas estão se tornando mais perecíveis em razão do comportamento da Geração Z, formada por quem nasceu entre o fim dos anos 1990 e 2010.

Essa geração é pouquíssimo leal a marcas – troca de preferência em poucos meses – mas, ao mesmo tempo, pode rejeitar marcas por muito mais tempo por razões que nada têm a ver com seus produtos ou serviços.

“Os CEOs estão sendo cobrados para se posicionar sobre assuntos globais, sobre justiça social, mas não foram treinados para isso.”

Seu conselho para as empresas é lembrar que criar uma marca é muito mais do que bolar um design. “É definir como toda a companhia opera.”

Girl power 

Trombei com a CEO do Iguatemi, Cristina Betts, e me ocorreu que essa foi uma conferência em que, finalmente, havia fila no banheiro feminino.  Na abertura do evento, Paula Minardi, da startup Rebel Girls e membro do board da BSV, disse que o grande esforço continua sendo atrair diversidade para o mundo de VC.

The next Buffett 

Greg Abel, o vice-presidente da Berkshire Hathaway indicado para comandar a empresa quando Warren Buffett deixar o cargo, já está assumindo alguns compromissos de CEO – por exemplo, comandando reuniões com empresas investidas da Berkshire, segundo o advogado Ron Olson, que trabalha há décadas com Buffett e Charlie Munger e está no board da Berkshire desde os anos 90.

“Pode ser considerada uma espécie de transição, apesar de não chamarmos assim internamente”, Olson disse ao Brazil Journal após seu painel na conferência.

O ponto forte de Greg, na visão de Olson, é ter a cultura da Berkshire. “Não temos um grande conjunto de regras, muito do que fazemos é baseado em confiança, então é preciso estar imerso na cultura.”

O grande desafio do suposto futuro CEO será ter acesso às mesmas oportunidades de investimento de Buffett.

“Warren tem muitos contatos, vários empresários e CEOs o procuram regularmente, então ele tem acesso a diversas oportunidades de aquisição. Mas Greg vai desenvolver isso.”

Você liga para a concorrência? 

Jeff Wilkes, ex-CEO da Amazon Consumer, onde trabalhou de 1999 até o ano passado, disse que nunca se preocupou com a estratégia dos concorrentes. Sua meta era ter os melhores produtos, nos preços mais baixos e uma ótima qualidade na entrega. “E, para isso, tínhamos nossa própria estratégia.”

Wilkes, que chegou a ser apontado como potencial sucessor de Jeff Bezos, dividiu um painel com Carlos Brito, o ex-CEO da Anheuser-Busch Inbev – que fazia justamente o oposto.

“Olhamos os concorrentes o tempo todo para ver se podemos aprender algo,” disse Brito.  Marcel Telles estava na primeira fila.

Twitter bots

Perguntado sobre o que pode ser do Twitter se Elon Musk comprar mesmo a empresa, Eric Schmidt, o ex-CEO do Google, disse ser a favor da “liberdade de expressão para humanos, (mas) não para robôs”.

Trump deve poder escrever o que pensa, disse ele. “O problema acontece quando robôs amplificam essa mensagem.”

As empresas querem maximizar a receita e, por isso, precisam de engajamento, o que leva a esse tipo de ação nociva, acrescentou.

Schmidt também falou sobre o Brasil. Para ele, o país tem “tudo o que precisa, menos um governo estável”.

“É preciso formar um conjunto de instituições fortes para evitar essa situação que todo mundo acaba na cadeia.”