Morando no Chile há três anos, o designer digital Guilherme de Deus continua acompanhando diariamente o noticiário do Brasil.
“Minha mulher não entende esse hábito. Mas acho que é o meu inconsciente querendo reafirmar que deixar o país foi uma decisão acertada,” diz Guilherme, que se desencantou com o País por causa da recessão dos últimos anos, a violência endêmica e a cena política.
Apesar de toda a efervescência das startups e do mega fundo do Softbank para a América Latina, profissionais altamente qualificados da área digital continuam a deixar o Brasil – e uma nova pesquisa do Boston Consulting Group mostra que o êxodo pode aumentar.
Em busca de crescimento profissional e mais qualidade de vida, nada menos que 87% dos ‘expert digitais’ brasileiros gostariam de deixar o país. Essa é uma das piores colocações na pesquisa do BCG, que ouviu 366 mil pessoas em 180 países. Na média global, a propensão dos profissionais de tecnologia para fazer carreira fora de seus países é de 67%.
O BCG considera ‘expert digitais’ engenheiros de software, programadores, analistas de dados, designers de UX (user experience), profissionais de marketing digital, e especialistas em inteligência artificial, machine learning, robótica e automação.
Com a demanda no mercado de trabalho aquecida a nível global, os expert digitais são os profissionais mais propensos a emigrar.
Guilherme começou a pensar em morar fora no final de 2012, quando a empresa em que trabalhava foi adquirida pela multinacional argentina Globant – que tem escritórios em diversos países na América Latina e clientes nos EUA e na Europa.
Chegou a receber um convite para ser transferido em 2014, mas recusou: sua esposa acabara de ser promovida.
“Achei que não era o momento. Mas um ano depois, quando vi que a economia não ia pra frente, falei pra ela: ‘vamos embora. Vou tentar pela Globant. Se não der, pegamos as coisas e vamos de qualquer jeito’.”
Deu certo na Globant, onde hoje ele é gerente de UX da companhia no Chile.
Dados oficiais da Receita Federal mostram que 91 mil pessoas entregaram declaração de saída definitiva do país desde 2014. Ou seja, além de perder talento, o País perde PIB e arrecadação.
O que chama a atenção na onda atual de imigração são profissionais qualificados, no auge da carreira, se mudando com toda a família.
“A fuga de cérebros, ainda mais em uma área que gera avanços de produtividade, é muito difícil de repor. É a crise de curto prazo gerando efeito no longo prazo – com um impacto enorme sobre a nossa capacidade de gerar riqueza futuramente. Dificilmente essa mão de obra será reposta. Quem vai com a família não quer voltar,” diz Sergio Firpo, professor do Insper.
É o caso de Guilherme. “Os salários fora são muito melhores – e morar fora é uma experiência que conta muito para a carreira. Você deixa de ser um funcionário de uma empresa e passa a ser um cidadão global.”
Ele não tem saudades do Brasil. “Não vejo perspectiva de melhora no curto prazo. E a segurança pública está deteriorando em um nível que dá medo de voltar. Temos filhos pequenos, que estudam em escola bilingüe. Queremos uma vida melhor para eles – e que sejam cidadãos do mundo.”