O BNDES é alvo de uma suspeita de ‘insider trading’ envolvendo ações da Triunfo, empresa de infraestrutura dona de concessões rodoviárias, ativos de energia, e que faz parte do consórcio que opera o aeroporto de Viracopos.

O banco de fomento, que é ao mesmo tempo o maior credor e um dos maiores acionistas por meio de seu braço de investimentos, a BNDESPar, vendeu um bloco de papéis semanas antes de a companhia anunciar um acordo de recuperação extrajudicial para equacionar sua dívida de mais de R$ 2 bilhões.

Acionista da companhia desde 2013 e signatário do acordo de acionistas, o BNDES declarou que sua participação tinha caído de 14,75% para 9,13% no dia 20 de junho. O acordo com os credores foi anunciado um mês depois, em 22 de julho.

O BNDES sabia para onde a empresa estava caminhando.  O banco tem um assento no conselho de administração da Triunfo desde o segundo semestre do ano passado — e seu conselheiro, inclusive, deu voto favorável à entrada do pedido de recuperação extrajudicial. A firma de reestruturação Alvarez & Marsal, que desenhou o acordo, foi contratada em abril.

Christian Bojlesen, um acionista minoritário da Triunfo, apresentou hoje denúncia à CVM pedindo que a autarquia julgue se houve uso de informação privilegiada.

Ele aponta que nos últimos meses o mercado já havia notado uma forte pressão vendedora nas ações da Triunfo, o que abriu margens para “diversos rumores” até que a redução da participação do BNDES fosse confirmada.

“Ora, enquanto BNDES/BNDESPar vendiam suas ações com conhecimento de detalhes dos rumos das negociações,  na outra ponta estavam acionistas minoritários comprando sem as mesmas informações”, diz o investidor no documento.

Minoritários da Triunfo, como Bojlesen, suspeitam que o BNDES vendeu parte de suas ações por um motivo estratégico: mudar o papel que o banco poderia desempenhar numa recuperação extrajudicial, que o BNDES sabia estar a caminho.

Pela Lei de Falências, qualquer credor que tenha mais de 10% dos papéis não pode votar no plano de recuperação, ficando sujeito às condições determinadas pelos demais credores – o chamado “cram down”.

Ao todo, a Triunfo deve R$ 1,18 bilhão ao BNDES, mais da metade do valor dos passivos envolvidos no processo. 

Ao protocolar a recuperação extrajudicial, a Triunfo considerou a posição que o BNDES tinha na empresa antes de vender parte de suas ações, ou seja, os 14,75%.  Com isso, o BNDES não teve direito a voto enquanto credor e, com a benção compulsória do banco, o acordo com os credores abrangeu 80% das dívidas da empresa – acima dos 60% exigidos pela lei para que a recuperação possa de fato ser colocada em prática.

Na semana passada, o BNDES foi à Justiça chiar: acusou a Triunfo de má-fé por ter colocado sua participação antiga nos documentos da recuperação, e pediu a suspensão do acordo.

A Triunfo rebateu.  Em fato relevante, a companhia afirmou que as alegações contidas na petição do BNDES “visam tão somente a obtenção em favor do BNDES de benefícios não equânimes em relação aos demais credores da companhia”.

Duas coisas chamam atenção na briga entre uma empresa quebrada e um banco tentando restaurar sua reputação depois de ter sido usado por Brasília para investir nos ‘campeões nacionais’ — com os resultados conhecidos.

A primeira é que, mesmo que o BNDES esteja certo e a Justiça decida que, para o propósito da recuperação extrajudicial, sua participação acionária é abaixo de 10%, a pergunta sobre a legalidade ou a moralidade da venda das ações por parte do banco persiste.  Parece impossível argumentar que o banco não sabia mais que o mercado.

Além disso, toda a manobra pode ter acontecido à toa. De acordo com um advogado que trabalha com empresas em reestruturação, o artigo 43 da Lei de Falências, que dispõe sobre o conflito de interesse de acionistas-credores, impede de votar no plano não apenas o credor que detenha mais de 10% da empresa, mas qualquer um que nomeie “membro de conselho consultivo, fiscal ou semelhante da sociedade devedora” — o caso do BNDES.

A segunda dúvida: por que o BNDES insiste em executar as dívidas de uma empresa que conseguiu a anuência de 20 credores para respirar e se restruturar?  Os bancos credores da Triunfo finalmente reconheceram que a estrutura de capital da companhia não cabe no valor da firma e estão encarando o problema de frente, assumindo prejuízo e reperfilando a dívida. Por que o BNDES insiste em atrapalhar na ida e na volta?

A relação entre BNDES e Triunfo azedou de vez no começo do ano. Em janeiro, o banco pediu na Justiça a execução de quase R$ 1 bilhão em dívidas das controladas Concer, a concessionária da BR-040 entre o Rio de Janeiro e Juiz de Fora, e Concebra, que administra um trecho entre Brasília e Betim.