Para financiar a extensão do auxílio emergencial, seria possível levantar R$ 46,2 bilhões, sendo R$ 10,8 bilhões em abertura de espaço direto no teto de gastos em 2021 e outros R$ 35,4 bilhões que teriam impacto fiscal somente de 2022 em diante, ajudando a minorar os efeitos do gasto presente na trajetória futura da dívida pública.

Como o auxílio é uma medida de caráter emergencial, o foco das propostas abaixo também é em medidas emergenciais, que financiem o pagamento do auxílio por alguns meses.

1. Emendas parlamentares

O business as usual da política brasileira se acostumou com o gasto anual de quase R$ 17 bilhões (valor proposto no orçamento 2021) no pagamento de emendas parlamentares. As emendas seriam uma forma de o parlamentar levar obras para suas bases eleitorais e garantir votos ao apresentar ganhos visíveis a seu eleitorado.
Mas se estamos numa crise humanitária, deixa de ser prioridade a construção de praças e jardins, quadras esportivas, muros de arrimo ou asfaltamento de ruas.

Assim, na discussão do orçamento 2021, poderia ser tomada a decisão excepcional de destinar, por exemplo, metade das emendas individuais (R$ 4,8 bilhões) ao financiamento do auxílio. A outra metade, de aplicação obrigatória na saúde, seria preservada.

A medida da dificuldade desse tipo de política está no noticiário em torno da eleição para as presidências da Câmara e do Senado. Matérias jornalísticas apontam planilhas indicando que foram direcionados R$ 3 bilhões adicionais às tradicionais emendas parlamentares, supostamente em troca de votos.

Mas crise humanitária é crise humanitária. Requer medidas extremas.

 

2. Economia de recursos nos poderes e órgãos autônomos

O chamado “teto de gastos” estipula uma limitação de despesa individualizada por poderes. Assim, não existe apenas um teto geral de despesas, mas um teto para o Poder Executivo e um teto específico para cada um dos ramos do Judiciário, para a Câmara, o Senado, o TCU, o Ministério Público e a Defensoria Pública.

As restrições e inovações impostas pela pandemia, como a redução de viagens e o home office, fizeram com que a despesa dos demais poderes e órgãos, que não o Executivo, ficassem R$ 1,6 bilhão abaixo do teto. Mantidas as mesmas condições de trabalho em 2021, o gasto a menor voltará a acontecer, reforçada pela vedação de reajustes salariais em 2021, determinada pela Lei Complementar 173/2020.

A força corporativa dos servidores dessas instituições tenderá a usar esses recursos para o pagamento de passivos trabalhistas ou outro mecanismo que transforme recursos públicos em renda privada.

Em um momento crítico de crise humanitária, caberia aos chefes desses poderes e órgãos com autonomia orçamentária dar o exemplo e evitar mais esse comportamento usual do setor público brasileiro. O orçamento de 2021 poderia fixar essa despesa  em pelo menos  R$ 1 bilhão abaixo do teto.

 

3. Participação de estados e municípios no financiamento do auxílio

Ao longo de 2020, os estados e municípios receberam socorro federal que acabou se revelando muito superior às perdas de receitas e aumentos de gastos que a pandemia impôs a esses entes.

Números preliminares indicam um acúmulo de saldo de caixa, decorrente do elevado fluxo de ajuda federal, de pelo menos R$ 30 bilhões nos estados e R$ 20 bilhões nos municípios.

Os entes subnacionais poderiam devolver parte dessa transferência a maior participando do financiamento do pagamento do auxílio. Isso garantiria pelo menos R$ 10 bilhões.

A dificuldade política de uma medida desse tipo fica clara quando se lê recente carta assinada por 18 secretários de fazenda que, a pretexto de arguir que a pandemia está gerando grande crise econômica, pede mais socorro federal em 2021.

A postura dos signatários parece em conflito com a necessária sensibilidade e solidariedade social. Em vez de promover a repartição de custos, demandam mais benefícios aos estados, com a conta repassada a toda a sociedade.

Analogamente, organizações representativas dos interesses municipais têm conseguido fazer avançar na Câmara uma PEC que aumenta as transferências para o Fundo de Participação dos Municípios em R$ 4 bilhões por ano. Caso se concretize, a medida não só estará na contramão da real necessidade fiscal, como também levará a aumentos de remuneração de servidores municipais, beneficiando quem não foi afetado pela pandemia.

 

4. Prorrogação do congelamento do funcionalismo para 2022

A Lei Complementar 173 vedou a concessão de reajustes ao funcionalismo até o final de 2021 nos três níveis de governo. Essa determinação poderia ser estendida até o final de 2022, o que geraria economia da ordem de R$ 9 bilhões com a remuneração de servidores civis e militares do Poder Executivo Federal, exceto os dos órgãos autônomos.

Vale lembrar que os servidores públicos não perderam emprego nem renda durante a pandemia. Logo, com base no princípio de solidariedade social, em contexto de crise humanitária, devem ser partícipes no financiamento do atendimento aos mais atingidos.
Uma vez que só teria impacto em 2022, a medida não ajudaria no pagamento direto do auxílio em 2021, mas ajudaria a conter o déficit e a dívida de 2022 em diante.

 

5. Benefícios fiscais do Imposto de Renda Pessoa Física

As pessoas físicas que têm imposto de renda a pagar são aquelas que não perderam o emprego por conta da crise, e mantiveram suas rendas em patamar superior ao limite de isenção.

Usualmente, o IRPF incide apenas sobre os 20% de maior renda do país. Os benefícios, descontos e isenções concedidos no âmbito desse tributo beneficiam desproporcionalmente as pessoas de maior renda dentro desse grupo, pois quanto maior o imposto a pagar, maior o espaço para lançar mão do benefício.

Nesse sentido, deve-se considerar a revogação dos descontos concedidos por número de dependentes; para pessoas acima de 65 anos (que é concedido independentemente de suas rendas). Também seria aconselhável limitar os descontos relativos a gastos com saúde, educação e a abrangência da isenção total a portadores e ex-portadores de doenças graves, para que focassem nos casos extremos.

De um montante total de isenções na casa de R$ 30 bilhões, uma redução parcial poderia obter pelo menos R$ 10 bilhões em aumento de arrecadação do IRPF.

Esse é o tipo de medida que tanto pode ser temporária, focada em ajudar nas contas públicas durante a pandemia, ou permanente — tornando nossa tributação mais justa.  Possivelmente, o seu impacto fiscal se daria a partir de 2022, para evitar contestações jurídicas da revogação de benefícios no ano em curso.

 

6. Revogação da prorrogação da desoneração da folha de pagamentos

A partir de 2011 foram adotadas diversas medidas de redução da tributação da folha de pagamento das empresas, visando compensar a valorização cambial da época (hoje inexistente) e reduzir o custo de contratação, aumentando o emprego.

A intenção é que elas fossem regras provisórias, e as medidas foram adotadas com prazo fixo. Todavia, se estenderam por muito mais tempo. Há diversas evidências empíricas de que a estratégia fracassou na criação de empregos e, quando teve efeito positivo, o custo fiscal por emprego foi excessivamente elevado, caracterizando uma política com relação custo-benefício desfavorável.

Em 2020, o Congresso aprovou a prorrogação, por mais um ano, da desoneração da folha de alguns setores, que expiraria em dezembro daquele ano. A medida resultou de pressão dos setores diretamente beneficiados, em mais um episódio de políticas públicas que geram benefícios concentrados e custos pagos de forma difusa por toda a sociedade.

A revogação dessa prorrogação garantiria aproximadamente R$ 5 bilhões adicionais para financiar o auxílio.

 

7. Revogação de benefícios fiscais a setores específicos

Assim como no caso da desoneração da folha de pagamentos, diversos outros benefícios tributários foram concedidos a setores específicos da economia. Entre 2003 e 2019, os chamados “gastos tributários” da União mais que duplicaram como proporção do PIB, passando de 2,0% para 4,2% do PIB.

Muito se fala sobre reduzir esses benefícios como forma de reequilibrar as contas públicas e aponta-se o total de gastos tributários, na casa de R$ 300 bilhões por ano, como uma “mina de ouro” que resolveria todos os problemas do país, bastando revogá-los.

Todavia, há benefícios tributários que, apesar de gerarem impactos negativos sobre a produtividade e o crescimento econômico, com alto custo fiscal, adquiriram dimensão tão ampla que sua remoção se torna difícil, principalmente no âmbito de medidas emergenciais como as aqui discutidas. 

É o caso dos diversos incentivos da Zona Franca de Manaus, do SIMPLES ou do Microempreendedor Individual (MEI). Esses são mecanismos que somente poderão ser revistos no âmbito de uma reforma tributária.

Há, contudo, incentivos mais localizados, voltados a setores econômicos específicos, e geradores de perda de produtividade na economia, que poderiam ser revistos sem maior necessidade de alterações sistêmicas do regime tributário.

Dessa fonte seria possível obter R$ 5,4 bilhões por ano, de forma permanente, que ajudariam a amenizar a trajetória da dívida pública:

 • Indústria de semicondutores e displays (PADIS): R$ 0,4 bilhão

 • Aquisição de máquinas e equipamentos (REIDI): R$ 1,7 bilhão

 • Aerogeradores e termoeletricidade: R$ 0,6 bilhão

 • Indústria petroquímica: R$ 0,4 bilhão

 • Embarcações e aeronaves: R$ 1,3 bilhão

 • Leasing de aeronaves: R$ 0,8 bilhão

 • Regime especial para a indústria aeronáutica e portos (REPORTO e RETAERO): R$ 0,2 bilhão 

 

8. Extinção ou privatização de estatais menos relevantes

A pauta de privatizações deve ter como objetivo a melhoria da alocação de recursos econômicos, a preservação do ambiente competitivo e o aumento da produtividade. Não deve, pois, ter motivação puramente fiscal. Os maiores efeitos sobre a eficiência econômica ocorrerão com as grandes privatizações, como Eletrobras, Correios ou companhias docas.

Esses processos de privatização são naturalmente lentos, e não se prestariam a levantar fundos em caráter emergencial.

Não obstante, há um conjunto pequeno de empresas que já se mostraram ineficazes, desnecessárias ou passíveis de transferência ao setor privado, e que poderiam ser liquidadas ou privatizadas, poupando pelo menos R$ 1 bilhão ao Tesouro, em subvenções e capitalizações, em um curto espaço de três anos:

 • CEITEC – Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A.

 • Casa da Moeda do Brasil

 • HEMOBRAS – Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia

 • TELEBRAS – Telecomunicações Brasileiras S.A.

Ainda no campo das estatais, seria preciso estancar a prática inaugurada pelas estatais ligadas à área de defesa, que passaram a ser utilizadas como braço orçamentário.

Em 2019, o País capitalizou a Emgepron – Empresa Gerencial de Projetos Navais como forma de financiar, fora do orçamento fiscal, a aquisição de embarcações pela Marinha. Novas operações dessa natureza deveriam ser evitadas.

Em suma, é possível lidar com o problema social imediato sem gerar o agravamento de uma crise macroeconômica que já está acontecendo, causada pelo desequilíbrio e incerteza fiscal.

As propostas aqui apresentadas, obviamente sujeitas a fortes pressões políticas e corporativas contrárias, teriam o mérito de dividir o custo do auxílio aos necessitados com os vários segmentos da sociedade que menos perderam renda na pandemia.
 
Tempos excepcionais requerem medidas excepcionais. Sensibilidade social baseada apenas em aumento da dívida pública não é, realmente, sensibilidade social. É simplesmente populismo, que distribui benefícios visíveis e esconde o custo que é repassado a toda à sociedade, com peso desproporcionalmente maior sobre os mais pobres.

Marcos Mendes é pesquisador associado do Insper.