NOVA YORK — Não faz muito tempo. Nem foi tão longe. Tanto que quem escreve é a bisneta de um casal alemão judeu aniquilado numa câmara de gás do Crematório II. Sem direito a túmulo. Sem despedir-se das filhas adolescentes. Sem qualquer dignidade.

Setenta e quatro anos após a liberação do campo de concentração onde ocorreu o maior genocídio documentado da História, a mostra Auschwitz. Not long Ago. Not far away,” chegou ao Museum of Jewish Heritage, em Nova York, precisamente em 8 de maio, o ‘Dia D’ que marca o início do fim da Segunda Guerra. A exposição fica em cartaz até 3 de janeiro de 2020. 

No ano passado, “Auschwitz” atraiu 600 mil pessoas em Madri, tornando-a uma das mostras mais visitadas da Europa em 2018. Seus curadores exploram meticulosamente tanto o lugar físico quanto o simbolismo de Auschwitz: “uma manifestação sem fronteiras de ódio e barbárie humana”. 

Três andares reúnem 700 objetos e 400 fotografias vindas de 20 museus e instituições globais. 

A frase que recepciona os visitantes é do sobrevivente italiano Primo Levi: “Aconteceu, portanto pode acontecer novamente. Em qualquer lugar”.  Não deixa de ser um alarme.

“Hoje, há mais refugiados do que durante aquela guerra. Espero que esta mostra conecte o passado ao presente, para que nos posicionemos firmemente contra a violência étnica, a intolerância religiosa, a brutalidade nacionalista e o sectarismo em  todas as suas formas”, diz Bruce C. Ratner, presidente do conselho do museu. 

A mostra aborda o desenvolvimento da ideologia nazista e conta sobre Oświęcim, uma cidadezinha polonesa ocupada pelos alemães. Eles a batizaram de Auschwitz, e fizeram dela o epicentro do Holocausto nazista: entre 1940 e 1945, só ali foram exterminados cerca de um milhão de judeus, e dezenas de milhares de outros seres humanos considerados “inferiores”. Eram gays, presos políticos, criminosos, Testemunha de Jeová e ciganos. Cada um devidamente identificado com uma cor sobre o uniforme de prisioneiro.

Os deportados chegavam em vagões de gado, dois deles expostos do lado de fora do museu. Homens eram separados de mulheres. Mulheres com filhos eram separadas de mulheres sozinhas. Quem não fosse morto na hora era selecionado para trabalho escravo, inclusive para a IG Farben, um conglomerado farmacêutico. Eram despidos, seus cabelos, raspados e um número era tatuado no braço. “Você não é mais uma pessoa. Você é um número”, diziam os soldados. 

Era tanta gente que um anexo ao campo original, chamado Auschwitz-Birkenau, foi cirurgicamente arquitetado e construído em 1943, com mais quatro crematórios. Usando um pesticida que matava em 20 minutos, os corpos eram incinerados, mas antes arrancavam os cabelos e os dentes de ouro. Este trabalho era feito pelos próprios prisioneiros em jornadas de 12 horas diárias. Há ainda quem apanhasse até morrer, outros eram metralhados ou serviam de cobaias de “experimentos médicos”. Muitos morriam de fraqueza, de frio, de doença. A maioria, de fome. Com sorte, ganhava-se um pedaço de pão por dia. A única sopa servida era podre. 

A história tem início na década de 30, com uma Alemanha devastada pela Primeira Guerra – terreno fértil para um ex-soldado restaurar a moral do país. Mas a retórica de Adolph Hitler não era novidade. Na exposição, está a proclamação assinada pelo imperador Ferdinand I em 1551 demandando que judeus se identificassem com um círculo amarelo na roupa. O documento foi dado de presente de aniversário a um oficial nazista quatro séculos mais tarde. 

Aborda-se ainda o Kristallnacht, a Noite dos Cristais, em 9 de novembro de 1938, quando sinagogas, e estabelecimentos comerciais judaicos do país foram depredados e queimados. Na época, crianças foram expulsas da escola e jovens, de universidades. Meus bisavós então colocaram suas duas filhas no Kindertransport, trem que tirava crianças da Alemanha, rumo à Inglaterra. Uma delas se tornaria minha avó materna. Ela nunca mais viu os pais. 

Os curadores homenageiam diplomatas e cidadãos comuns que arriscaram suas vidas para salvar outras, como os ajudantes da família de Anne Frank, e ainda selecionaram mais de 150 pinturas, incluindo sketches do checo Alfred Kantor. Ele foi preso em dois dos seis campos, incluindo Theresienstadt, para onde era deportada a classe artística e também os meus bisavós, dois anos antes de serem remanejados para Auschwitz, em 9 de outubro de 1944. 

O silêncio nas galerias do museu é absoluto. Surpreende o depoimento em vídeo de Theodor Wonja Michael, um sobrevivente alemão não-judeu, mulato, filho de mãe alemã e pai de Camarões, uma das colônias africanas da Alemanha.  Também há objetos sombrios como a primeira edição do livro Mein Kampft de Hitler, um chicote, uma beliche de prisioneiros e parte do arame que circundava o campo, eletrocutando quem ousasse fugir. 

Há ainda desenhos dos impecáveis uniformes nazistas, fabricados por um tal Hugo Boss. Estes estão sobre a mesa de Rudolph Höss, o comandante militar encarregado de Auschwitz. Fotos coloridas mostram a bela casa com piscina, onde ele morava com a esposa e cinco filhos arianos, logo na entrada do campo. Disse que “os anos que viveram ali foram muito agradáveis”. 

Talvez a mãe de um dos bebês assassinados no crematório não concordasse com ele: seu sapatinho, deixado para trás ainda com a meia dentro, hipnotiza visitantes. 

Ao final da visita, um último arrepio: um janelão com vista para a Estátua da Liberdade, a cena almejada por tantos que conseguiram escapar.  

Quanto aos meus bisavós, eles ganharam uma lápide vertical simbólica no Cemitério Israelita do Butantã, em São Paulo. Homenagem da minha avó, hoje enterrada ao lado. Meine Ominchën e melhor amiga.

Tickets com hora marcada em Auschwitz.nyc