Estamos todos exaustos de ouvir que os erros fazem parte das grandes realizações – ou, como já disse Winston Churchill, o “sucesso consiste em ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo.”
Mas na verdade nem sempre aprendemos com nossos equívocos. É mais fácil falar dos erros do que de fato tirar lições deles, diz Amy C. Edmondson, uma professora da Harvard Business School e autora de O jeito certo de errar (Intrínseca; 352 páginas), eleito pelo Financial Times o melhor livro de negócios de 2023.
“É impossível calcular o tempo e os recursos desperdiçados devido à nossa incapacidade de aprender com as falhas,” diz Edmondson, que trabalha há mais de duas décadas como pesquisadora acadêmica de psicologia social e comportamento organizacional.
O livro, repleto de exemplos e insights, resulta de anos de pesquisas próprias da autora e do trabalho de outros cientistas sociais. “Trata da dificuldade de colocar em prática o nosso aprendizado com os fracassos no dia a dia e nas instituições que construímos,” diz ela.
Edmondson conta como seu interesse pelo tema foi despertado por um aparente equívoco que ela cometera quando fazia uma pesquisa sobre erros na administração de medicação em hospitais.
Ela notou que a base de dados havia originado um resultado contraintuitivo: as equipes médicas mais bem-avaliadas aparentavam cometer mais erros.
Após novas investigações, ela descobriu que na verdade os melhores times trabalhavam em um ambiente mais colaborativo e favorável ao relato de erros – e com isso as pessoas eram incentivadas a continuar aprimorando, uma situação que mais tarde ela definiria como ‘segurança psicológica.’
Para facilitar a compreensão dos tipos de erros e aprimorar estruturas organizacionais, a pesquisadora chegou a três “arquétipos da falha”: inteligente, básica e complexa.
As falhas inteligentes são as que resultam, por exemplo, do trabalho dos cientistas e pioneiros da engenharia, necessárias para o progresso.
“A chave é aprender com esses erros, em vez de negá-los ou se sentir mal por causa deles,” escreve Edmondson.
Foi o tipo de falha que ela enfrentou – e inicialmente a deixou desnorteada – quando pesquisava os erros médicos.
As falhas básicas, mais fáceis de serem evitadas, são as que resultam de falta de atenção e deslizes, como enviar para o chefe uma mensagem que seria para um amigo.
As verdadeiramente “perniciosas” são as falhas complexas, “verdadeiros monstros que pairam sobre nosso trabalho, nossa vida, nossas instituições e sociedades” – são as tempestades perfeitas, em geral de causas múltiplas.
As complexas acontecem muitas vezes em ambientes habituais – e por isso se diferenciam das inteligentes –, mas mesmo sendo em situações familiares derivam de fatores que podem interagir de maneiras inesperadas. É o caso de muitos desastres marítimos.
Outro exemplo citado no livro foi a trágica morte de uma cineasta no set de filmagem do faroeste Rust, em 2021, por um disparo de revólver. A arma usada pelo ator Alec Baldwin tinha uma bala de verdade.
No livro, a autora fala também a respeito de como as capacidades de autoconsciência, consciência situacional e consciência sistêmica ajudam a lidar da melhor maneira possível com as falhas.
Nos excertos a seguir, a pesquisadora relata seu choque inicial com os dados de sua pesquisa sobre falhas de equipes médicas e como estudos sobre erros de pilotos de avião ajudaram-na a descobrir a “ciência de falhar bem.”
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Perplexa, me sentei e encarei a tela do computador, que com toda a certeza exibia minha falha em buscar evidências que sustentassem a minha hipótese de estudo. A primeira coisa que pensei foi: como vou admitir para o meu orientador e para os médicos que lideram o estudo que estou totalmente errada? Passei centenas de horas desenvolvendo o instrumento de pesquisa, em reuniões quinzenais com médicos e enfermeiros que registravam erros de medicação em dois hospitais próximos.
De tempos em tempos, pedalava aos tropeços para chegar logo ao hospital depois de algum profissional da saúde relatar um erro importante, e fazia entrevistas para identificar as causas subjacentes do erro. Fiquei encarregada de coletar os dados dos erros médicos e fui autorizada a pedir a centenas de médicos e enfermeiros ocupados que preenchessem o meu questionário. Eu me senti culpada por ter tomado o tempo precioso deles e envergonhada pelo meu fracasso.
Uma das pessoas com quem eu teria que falar sobre o fracasso era o Dr. Lucian Leape, um cirurgião-pediatra que passou a se concentrar no estudo sobre erros médicos mais tarde em sua carreira. Com mais de 1,80 metro, cabelos brancos e sobrancelhas grossas, Lucian era intimidador e, ao mesmo tempo, parecia a figura gentil de um tio. Também era determinado. O objetivo de pesquisa para o estudo maior era simples: medir a taxa de erros de medicação em hospitais.
Naquela época, pouco se sabia sobre a frequência com que os erros aconteciam, e Lucian e seus colegas recebiam uma bolsa de auxílio financeiro dos Institutos Nacionais da Saúde (NIH, na sigla em inglês) para descobrir isso.
Além desse objetivo, inspirado por algumas pesquisas na área de aviação que mostravam que um melhor trabalho em equipe na cabine de pilotos resultava em voos mais seguros, Lucian se perguntava se isso poderia ser verificado também nos hospitais.
A pesquisa no campo da aviação que inspirou Lucian não pretendia analisar o trabalho em equipe, e sim a fadiga dos profissionais na cabine. Foi outra hipótese fracassada. Uma equipe de pesquisadores da NASA, liderada pelo ex-especialista em fatores humanos H. Clayton Foushee, realizou um experimento para testar os efeitos da fadiga sobre as taxas de erro. Eram vinte duplas; dez foram designadas para a condição “pós-expediente” ou “fadiga”.
Essas equipes “voaram” no simulador como se fosse a última etapa de um período de três dias nas operações das linhas aéreas de curta distância onde trabalhavam.
As equipes fadigadas já haviam voado três turnos diários de oito a dez horas. Esses turnos incluíam pelo menos cinco decolagens e pousos, às vezes até oito. As outras dez equipes (a situação “pré-expediente”, bem descansada) “voaram” no simulador após pelo menos dois dias de folga. Para elas, era como se fosse a primeira etapa de um turno de três dias.
(…)
Embora nunca seja ético escalar de forma aleatória pilotos cansados para conduzir voos reais de transporte de passageiros, não há problema em conduzir o experimento em um simulador.
Para a surpresa de Foushee, ele descobriu que as equipes que tinham acabado de passar vários dias voando juntas (as equipes fadigadas) tiveram um desempenho melhor do que aquelas descansadas. Como esperado, os indivíduos cansados cometeram mais erros do que os colegas descansados, mas, como trabalharam juntos em vários voos, cometeram menos erros enquanto equipes. Ao que pareceu, eles foram capazes de trabalhar bem juntos, identificando e corrigindo os erros uns dos outros durante todo o voo, o que evitou incidentes sérios. Em essência, os pilotos fadigados formaram bons times depois de trabalharem juntos por alguns dias. Em contraste, os pilotos descansados, não familiarizados uns com os outros, não funcionaram tão bem como equipe.
Essa descoberta surpreendente sobre a importância do trabalho em grupo na cabine de pilotagem ajudou a promover uma revolução no transporte aéreo de passageiros chamada “gerenciamento de recursos de tripulação” (CRM, na sigla em inglês), parcialmente responsável pela segurança extraordinária das viagens aéreas. Esse trabalho formidável é um dos muitos exemplos do que eu chamo de “ciência de falhar bem”.