Talvez nenhum artista seja ao mesmo tempo tão emblemático e polêmico como Paul Gauguin – particularmente este que emergirá no próximo fim de semana, quando o MASP abre Paul Gauguin: o outro e eu, que promete ter recorde de público.

Com curadoria de Adriano Pedrosa (também curador da próxima Bienal de Veneza), Fernando Oliva e Laura Cosendey, a exposição está inserida no eixo temático das “histórias indígenas”, e aborda a relação de Gauguin com “o outro” a partir de sua vida.

Até recentemente, o Brasil importava as exposições de artistas consagrados europeus: as obras eram pré-selecionadas pelo museu de origem, e o conteúdo simplesmente traduzido – um modelo empacotado que se aplicava igualmente na Europa, Ásia e América Latina.

Agora, com o prestígio conquistado pelo MASP, o museu pôde escolher as 40 obras da mostra – entre pinturas e gravuras –  e os curadores conceberam todos os detalhes da mostra a partir de uma perspectiva brasileira (portanto não hegemônica).

Duas obras são de propriedade do próprio museu paulista, incluindo o auto-retrato do artista, uma das poucas obras mantidas por ele até sua morte. (Gauguin morreu endividado e seus bens foram leiloados – suas telas valiam menos que seus utensílios domésticos.)

Pietro Maria Bardi comprou o auto-retrato nos anos 50 por menos de US$ 50 mil (corrigindo a valores de hoje, algo como US$ 1 milhão).  Em 2014, outra tela de Gauguin – intitulada Nafea Faa Ipoipo, de 1892 – foi vendida por US$ 210 milhões (naquele ano entrou para a história como a segunda obra mais cara já leiloada).

Eugene-Henri-Paul Gauguin nasceu em Paris em 1848, e morreu na Polinésia Francesa, em 1903. Morou durante a infância no Peru, viajou ao Panamá e Mauritânia, teve uma vida marcada pela instabilidade familiar, múltiplas carreiras e pelas viagens que fez pelo mundo durante seus 54 anos.

Antes de se dedicar exclusivamente à pintura ao lado de Camille Pissarro e Paul Cézanne, Gauguin serviu na Marinha francesa por cinco anos.

Aos 23, foi trabalhar como corretor na Bolsa de Paris, onde ficou 11 anos. Quando a bolsa francesa sofreu um crash, em 1882, perdeu o emprego e boa parte de suas economias.

Aos 33, foi morar em Pont-Aven, na Bretanha, em uma comunidade cristã, e depois em Arles, quanto dividiu o ateliê com Van Gogh, uma parceria que terminou de forma dramática quando o artista holandês cortou sua própria orelha durante uma acalorada discussão. Os dois nunca mais se viram, mas continuaram trocando cartas até a morte de Van Gogh.

Em 1895, Gauguin mudou-se para o Taiti, deixando para trás sua esposa dinamarquesa, Mette, e cinco filhos – plus sua amante francesa e um filho.

Gauguin morou na Polinésia até morrer. No Taiti, casou-se com uma menor de 13 anos chamada Teha’amana. Depois vieram outras duas esposas menores, de 14 anos, chamadas Pau’ura e Vaeoho Marie-Rose, sem mencionar inúmeras outras com quem se relacionou, mesmo tendo sífilis.

Embora existam muitos artistas cujos estilos de vida foram questionáveis, a dificuldade com Gauguin é que seu comportamento é exposto em suas telas, o que dificulta a separação entre vida e obra.

“Sua fixação pelas jovens do Taiti talvez seja a personificação mais visceral, já que as representações sexuais dessas meninas preenchem a esmagadora maioria de suas obras de arte mais notáveis,” resumiu certa vez a crítica Meredith Mendelsohn.

O crítico de arte inglês Adrian Searle escreveu que Gauguin foi exaltado pela história da arte e execrado pelas mulheres e por seu comportamento colonialista. “Ele é culpado das acusações. A crítica tem sido um corretivo necessário para o mito insustentável do artista como gênio múltiplo além dos costumes do tempo, lugar e sociedade. A qualidade da arte de Gauguin pode parecer estranha – até um pouco mal administrada – mas também é sua força.”

O caos e o desrespeito às regras se aplicavam em certa medida à forma de pintar. A modernidade de sua obra é não ter seguido um estilo definido, nem determinados formalismos típicos da época. Gauguin se apropriou abertamente de tudo que viu e viveu, subvertendo cores, formas e símbolos.

Van Gogh o descreveu em uma das suas cartas: “sem a menor dúvida, estamos diante de uma criatura virgem com os instintos de um animal selvagem. Em Gauguin, o sangue e o sexo prevalecem sobre a ambição.”

A parte final não é totalmente verdadeira: Gauguin era sim ambicioso. Ele se esforçou em construir uma imagem de homem livre, selvagem e genial – o que fica claro nas suas famosas cartas. No entanto, não alcançou sucesso comercial ou reconhecimento da crítica em vida – foi um outsider em Paris, no Peru e no Taiti.

Embora a importância de Gauguin na história da arte seja inegável, ele se relacionou com “o outro” de forma deplorável e refletiu seu comportamento em suas telas. Seu trabalho vinha sendo exibido (em exposições grandiosas como a da Tate, em 2011, um recorde de público e crítica) sem que os museus europeus ou norte-americanos trouxessem a discussão sobre sua conduta para o centro do debate.

A exposição do MASP certamente entrará para a história. Vai de 28 de abril até 6 de agosto.