Ovacionada no mercado pela qualidade dos seus cursos e questionada pela dificuldade em traduzi-los em retornos mais expressivos, a Ânima Educação quer adotar um modelo híbrido: nem aulas totalmente à distância, nem 100% presenciais. 

A empresa garante que a metodologia gera melhores resultados acadêmicos. Testes feitos com diversas turmas constataram que o modelo 100% presencial gera notas 37% superiores que o ensino à distância (EAD). Ao dar metade do conteúdo online e metade presencial, as notas foram 17% melhores que na modalidade em que o aluno tem que gastar toda a carga horária sentado na sala de aula. 

A conclusão: os alunos estudam melhor em casa, e chegam na sala em condições de aproveitar melhor o que o professor tem a oferecer. O conceito, no entanto, ainda vaga num limbo legal dentro do Ministério da Educação (MEC) – e há um ceticismo na indústria de que possa realmente ser aprovado. 

A Ânima nasceu em 2003 quando um grupo de amigos – que já tinham comandado juntos uma churrascaria, negócios de internet e uma consultoria de reestruturação de negócios – decidiram comprar a UNA, um centro universitário de Belo Horizonte com R$ 30 milhões de faturamento e R$ 35 milhões em dívidas. 

Fizeram o turnaround do negócio e nos anos seguintes compraram a UniBH e a Unimonte, em Santos. Depois do IPO em 2013, levaram ainda a Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo; a Sociesc de Santa Catarina, que é associada à FGV; e a Alis Educacional, no interior de Minas.

Daniel Castanho e Marcelo Bueno dividem o comando da companhia e são seus dois maiores acionistas individuais. Nesta conversa com o Brazil Journal, eles falam sobre o futuro da educação e a reestruturação da companhia após o fim do FIES. 

Vocês costumam dizer que a educação tem que ser ‘reinventada’. O que isso significa em termos práticos?

Castanho: A tecnologia, os robôs, vão substituir todos os trabalhos repetitivos. Você formar um advogado para fazer uma petição é uma coisa que acabou. O Watson faz, o computador vai fazer. Você precisa formar o aluno para algo muito mais complexo. E para isso você tem que entender quem é esse cara. 

10454 bf85016a 845c 005a 0000 f1c5c8bcecd3Historicamente, a educação foi estruturada para que houvesse padronização em massa. Mas o que importa é entender quem é o indivíduo. E hoje, com a tecnologia, você consegue redefinir o percurso formativo para que cada um seja diferente do outro. Isso passa por um currículo muito mais flexível. 

A gente tem aqui dentro da Ânima o que a gente chama de “Projeto de Vida”.  As duas primeiras disciplinas para qualquer curso são Identidade e Diversidade. Diversidade é entender a relação dele com o mundo. É proporcionar atividades para que ele entenda e esteja aberto a conseguir escutar opiniões diferentes das que eles têm. Começamos isso há vários anos. Porque se ele tem uma flexibilidade para escolher o perfil formativo dele, você tem que ajudá-lo a fazer essas escolhas. Resumindo, a universidade vai ser um lugar onde você vai chegar e ter um processo muito mais sofisticado do que hoje, que é de mentoria. Você vai poder entender quem você é, e o que você quer fazer. 

Vocês tem apostado no modelo de educação híbrida, uma mistura de educação à distância com educação presencial. O que é este modelo?

Castanho: Hoje tem ensino presencial e ensino à distância. Eu até acredito que a expressão ‘ensino à distância’ vai deixar de existir. A questão é como a tecnologia vai mudar a relação professor-aluno. Isso implica novas metodologias de ensino, não somente aula expositiva. 

A gente fez uma análise muito profunda. Pegamos o mesmo professor, o mesmo conteúdo e turmas similares. Oferecemos 100% à distância. Teve uma performance. Oferecemos 100% presencial e a nota foi 37% melhor. Oferecemos meio a meio e foi 17% melhor que no presencial. Por quê?

Porque eu mando conteúdo, o aluno estuda e usa a sala de aula não para ficar lendo um PowerPoint, mas para discutir.  As pessoas já preparam melhor para aquela reunião. Foram vários testes, com várias turmas, em vários campi. O futuro da educação será híbrido. O que o MEC precisa regular é essa educação híbrida, que não se encaixa hoje nem no que ele define como à distância, nem presencial. 

Há um entrave regulatório?

Castanho: O curso presencial é definido como aquele que tem até 20% de EAD. Mas veio a PN [Portaria Normativa] 23, em dezembro, e estabeleceu: para ser considerado EAD tem que ter no máximo 30% presencial. Foi uma tentativa do MEC de evitar que polos medíocres oferecessem cursos que na prática fossem presenciais. Mas isso criou um problema, uma lacuna. Eu tenho um campus que tem aprovação para EAD e para presencial. Mas quero oferecer meio a meio. Não existe essa possibilidade porque, pela regulação, qualquer curso que oferecer entre 21% e 69% de EAD não existe no Brasil. O MEC terá que redefinir através de um decreto ou portaria o que será esse tipo de curso. 

Pelo que a gente tem testado, acreditamos que esses cursos terão que ser regulamentados e provavelmente o MEC vai autorizar fazer um fast track e favorecer – ou ao menos não prejudicar – institutos que querem fazer isso aqui, porque essa educação híbrida é exatamente a de maior qualidade. 

A gênese de vocês é encontrar escolas de qualidade. O que faz sentido em termos de fusões e aquisições?

Castanho: Nós buscamos quatro coisas: instituições que sejam a melhor marca da região ou tenham potencial para ser a melhor marca daquela região. O ativo, em termos de estrutura, tem que ser muito bom. As pessoas do time tem que ter um DNA parecido com o nosso. Algumas vezes no M&A, você achou o ativo, fez as contas, faz sentido, mas a cultura é tão diferente que você não consegue integrar e acaba perdendo uma empresa ou a outra. E temos preferência por alguém que faça alguma coisa melhor que a gente. A educação no Brasil é muito regional. Ninguém em São Paulo conhece a UNA, por mais que seja um dos melhores centros universitários de Minas Gerais, assim como em Minas ninguém conhece a São Judas. Nossa ideia é comprar instituições que tenham essas características: melhor marca regional em regiões onde a gente não está. E onde a gente está, ver o que é melhor: crescimento orgânico ou aquisições. 
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Faz mais sentido buscar uma aquisição de porte médio ou algo transformacional?

As duas coisas. Aliás, três: um negócio transformacional, um em que a gente compra marcas, e o terceiro tipo, que são deals menores. Comprar uma marca menor, como fizemos com o Politécnico em Uberlândia. Era bacana, uma cultura muito parecida com a nossa, mas não era uma marca conhecida. A gente foi lá, comprou, e virou UNA. E aí não é só mudar a marca, mas investir na estrutura. 

Vocês chegaram a anunciar um acordo ‘transformacional’ com a Whitney [agora rebatizada de Ilumno], dona da Veiga de Almeida no Rio e da Unijorge em Salvador, no fim de 2014. Mas veio a crise do FIES e o negócio foi desfeito. O que aconteceu ali?

Bueno: Nós fechamos uma fusão com eles, com grandes alinhamentos e grandes sinergias. De dezembro para janeiro, veio a crise do FIES e as coisas mudaram completamente. Tivemos que sentar com eles e conversar em profundidade para ver o que era melhor para as duas companhias e acabamos seguindo o caminho de desfazer a fusão. A gente tinha no nosso acordo um variável, uma espécie de ‘earnout‘, e a discussão ficou complexa. No fim do dia, acabou ficando um negócio caro para a gente em real e teve um salto no dólar, de R$ 2 para R$ 4. Ficou barato para eles em dólar. 

Apesar de ter as melhores notas no Enade, a Ânima tem a pior avaliação em sites como ‘Reclame Aqui’. Por que essa disparidade?

Bueno: A gente estava pecando em alguns processos para o aluno: rematrícula, tecnologia, boleto que estava indo errado. Tenho algumas agendas claras hoje. Uma delas é a simplificação de processos, repensar a tecnologia, atendimento e trabalhar esses pontos para que o aluno tenha isso aqui. Essa é uma agenda clara que permeia toda a companhia. Alguns investidores podem ter sentido que a gente demorou um pouco para endereçar isso, mas é uma agenda clara e é comunicada dessa forma. Passa por discutir qualidade, prestação de serviços, nível de atendimento ao aluno, uso de tecnologia para melhorar e simplificar a vida da empresa. 

Vocês tem cursos mais bem avaliados, mas tem margens operacionais muito aquém das praticadas por Kroton, Estácio e Ser, que também são negociadas em bolsa. A educação de mais qualidade é menos rentável ou dá para buscar rentabilidade mais próxima a desses pares?

Castanho: A rentabilidade das instituições que tem grande parte de seus alunos no EAD deve cair nos próximos anos, pois é uma margem decorrente de uma reserva de mercado dentro de um modelo que deve se transformar radicalmente num futuro próximo. Antes, num país com pleno emprego e poucas pessoas com diploma, o simples fato de ter um diploma já era o suficiente; agora, o importante é saber de onde é o diploma e quais competências desenvolvidas. Por outro lado, nossas margens estão mais baixas porque temos instituições que ainda não estão maduras e num processo de integração. A Ânima é um projeto de longo prazo e como atividade educacional deve ter margens sustentáveis na maturidade.

Marcelo, você e o Daniel estão hoje mais integrados e com uma pauta mais focada na execução: você na operação e o Daniel na estratégia. Essas mudanças já se traduziram em resultados?

Bueno: Ainda está muito cedo, mas o que já apareceu foi a captação mais forte, que já é resultado de uma série de questões e de trabalhos. Em 2018, já vamos apresentar resultados de recomposição de margens. [Ontem à noite, a Ânima disse que sua base de alunos de graduação cresceu 8,9% este ano contra o mesmo período do ano passado.  A companhia conquistou 30 mil novos alunos de graduação, um crescimento de 25% em relação ao processo seletivo do primeiro semestre de 2017. A base total de alunos — que inclui cursos de pós graduação e EAD — cresceu 4,8%.]

Essa agenda de eficiência parece acertada, mas não houve um certo atraso? A área comercial, por exemplo, só foi estruturada em 2016. Esse tipo de coisa não foi feita antes porque existia o FIES? 

Castanho: Abrimos o capital em 2013 e logo compramos a São Judas, no primeiro semestre de 2014. No fim do ano, fizemos a transação da Whitney. Aí veio a mudança do FIES. Eu e o Gabriel, o CFO, entre outubro e abril, que foi quando a gente desfez o negócio, fomos mais para Dallas [onde fica a sede da Whitney] do que para Belo Horizonte. Depois, ia mais para Brasília, porque tinha a discussão do FIES. A gente de fato demorou para tomar algumas decisões e de 2015 para 2016 veio um baque no vestibular, com queda de matrículas, e começou a se reestruturar.  Não tinha área comercial e não tinha FIES.

Desde 2015, quando o FIES praticamente acabou, várias instituições criaram seus próprios programas de financiamento. Por que vocês não seguiram esse caminho?

Bueno: Nossa atividade fim é a educação. Acho muito arriscado entrar em atividades que um banco deveria fazer. Sempre fomos muito parceiros da Ideal Invest, que é o principal player privado, que está há mais de 10 anos fazendo isso. Mantivemos a Ideal Invest dentro da nossa base na época do auge do FIES, era como um ‘hedge of FIES’. E hoje, com a taxa de juros voltando, os bancos estão entrando nisso. Estamos fazendo um piloto com alguns bancos importantes para financiamento privado. Fazemos alguns testes de assumir um pouquinho de risco, sempre ligado ao desempenho acadêmico, porque está provado estatisticamente que um bom aluno também vira um bom pagador.

Na versão antiga do FIES, as empresas tiveram uma vantagem desproporcional no negócio. Qual sua avaliação do novo FIES?

Bueno: Algumas questões são interessantes, como a cobrança na folha de pagamento assim que o aluno crescer e for ganhando empregabilidade. Mas o novo FIES está perdendo competitividade, na medida em que ele passa o risco desproporcionalmente para as escolas. 

Castanho: Hoje você tem o FG-Educ [fundo garantidor da educação], que é o quanto você deixa de contrapartida para dar garantia do seu risco. Mas não é proporcional a cada instituição. Se nossos alunos são melhor pagadores, eu poderia ter um recolhimento menor. 

Bueno: Além disso, deixar a Caixa Econômica fazer a cobrança dos estudantes é uma coisa complicada. Se eu estou arcando com a inadimplência, eu deveria ter como gerenciar essa cobrança, que é uma coisa que eu faço com meus estudantes. De preferência colocando uma firma de cobrança e dando uma taxa de sucesso para ela.

 
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