A Americanas disse ontem à noite que está trabalhando para levantar pelo menos R$ 1 bilhão por meio de um ‘debtor in possession agreement’ (DIP) – o nome técnico que se dá a qualquer novo empréstimo para uma empresa em recuperação judicial.

A Americanas disse que o DIP em discussão não terá garantias e pagará uma taxa equivalente ao custo médio de financiamento da companhia antes do pedido de RJ (cerca de 128% do CDI). 

A companhia disse que está “discutindo” com seus acionistas de referência “a possibilidade de eles subscreverem até a totalidade do valor mínimo,” e disse que este DIP poderá ser substituído mais à frente por uma dívida conversível em ações da companhia.

O anúncio do DIP surpreendeu o mercado tanto por seu tamanho tímido quanto pelo tom do comunicado, que sugere que os acionistas de referência estão tratando o assunto a conta gotas, em vez do tratamento de choque que a situação exige.

Segundo pessoas a par do assunto, a Americanas precisa de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões para normalizar seu capital de giro imediatamente, e haveria disposição dos acionistas de referência para tanto.

Em tese, os recursos de um DIP são extraconcursais, o que significa que são sêniores em relação às dívidas antigas e pari passu com quaisquer outras dívidas novas. (Traduzindo para os não-advogados: quem dá o DIP tem o direito de ser pago antes de todos os credores antigos.)

Mas na prática, no Brasil, é altamente improvável que qualquer recurso que seja injetado pelos acionistas agora não fique subordinado à dívida com bancos e fornecedores – o que pode explicar a cautela expressa no comunicado.

“Esse comunicado mostra que os caras estão preocupados com a esterilização do bisturi e com a temperatura ideal da sala, em vez de estarem focados no parto,” diz um gestor que está debruçado sobre a situação da empresa. “Mais uma vez, eles estão perdendo a guerra da comunicação.” 

O objetivo No. 1 do trio agora deveria ser “preservar a empresa e tranquilizar as pessoas, e esse comunicado não consegue nada disso.” 

O comunicado não deixa claro se R$ 1 bilhão é suficiente para normalizar o capital de giro da empresa (e por quanto tempo), tornando provável um cenário em que, a cada três ou quatro semanas, a empresa tenha que anunciar um novo aporte. Além disso, os acionistas de referência poderiam ter anunciado que já se comprometeram irrevogavelmente com o aporte de R$ 1 bi – mas em vez disso, segundo o comunicado, o aporte deles é uma “possibilidade.”

O tamanho exíguo do DIP deve aumentar a pressão sobre a empresa para conseguir outras fontes de financiamento no curto prazo.

Nos últimos dias, a Americanas tem conversado com o mercado para levantar recursos por meio da cessão de uma carteira de R$ 2,6 bilhões em recebíveis de cartões de crédito, pessoas a par do assunto disseram ao Brazil Journal

A Americanas esteve em contato com gestores especializados em special situations, incluindo Jive, Lumina, Prisma, Banco BBM, Banco Modal (hoje parte da XP) e a Strata Capital, a gestora recém-criada por Leo Viveiros de Castro, o ex-sócio da Leste.

Os recebíveis têm um prazo médio de 180 dias, e a Americanas aceita descontá-los a uma taxa ao redor de 2% ao mês – um desconto implícito de mais de 20% sobre o valor de face, disseram as pessoas a par do assunto.

Mas a operação encontra obstáculos técnicos e jurídicos, incluindo o comprador entender a parte do fluxo que passa pelas adquirentes dos bancos, o que pode sujeitar os recebíveis a travas dos bancos ou da Justiça.  

Os potenciais compradores também precisam fazer diligências para entender qual parte dos recebíveis está onerada (não livres de ônus ou garantias) e qual parte está livre das amarras da RJ.  E, ao final de tudo, a taxa de desconto poderia ser questionada pelos credores.

“Acho muito arriscado,” disse um gestor que decidiu não participar das conversas. “Esse troço vai ser extremamente judicializado.”  

Além disso, a maioria dos players acredita que o DIP teria que contar com a garantia dos mesmos recebíveis, complicando ainda mais a transação. 

 

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